“Como Maçãs de Ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita a seu tempo.” (Pv. 25.11)

“Feliz o homem que acha a sabedoria e o homem que adquire o conhecimento;
... é Árvore de Vida para os que a alcançam, e felizes são todos os que a retêm." (Pv. 3:13,18)

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Epistemologia Reformada (Capítulo 8 do Livro "Fundamentos Filosóficos de uma Educação Bíblico-Reformada"


 

 

Nota de Introdução:

Em nossa busca por uma filosofia da educação reformada, temos visto que o nosso ponto de partida não pode ser o pensamento secular (nem por meio de síntese, nem tentando uma co-existência pacífica) [capítulo 5], mas que devemos construir desde o princípio sobre fundamentos distintamente reformados, dentre os quais destacamos os pressupostos sobre a bíblia, sobre a pessoa e as obras de deus, e sobre os estados da pessoa humana como três eixos principais que delineiam o nosso ideal educacional [capítulo 6]. No capítulo anterior, investigamos o que a bíblia tem a dizer a respeito da própria razão de ser da educação, e respondemos às perguntas básicas: "Por que educar?" e "Para quê educar?" [ capítulo 7].

Este capítulo prossegue tratando de um tema central à filosofia educacional, A Teoria do Conhecimento, buscando indicar soluções distintamente cristãs para questões debatidas como: "Qual é, e como podemos descobrir o verdadeiro sentido das coisas? Como professores e alunos cristãos devem lidar com a ciência e com o conhecimento humano acumulado na história? Existe uma lei que rege o conhecimento? De onde surge o conhecimento: ele é inato ou adquirido? E no que consiste o verdadeiro aprendizado?

Você pode ler um ítem de cada vez, com atenção, anotando novas descobertas e novas questões que o texto levanta, ou discuta as implicações desses pontos com um grupo. Boa leitura!

 

 

FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DE UMA EDUCAÇÃO BÍBLICO REFORMADA 

CAPÍTULO 8

 

 EPISTEMOLOGIA REFORMADA

A Teoria do Conhecimento Segundo a Bíblia

 


 


8.1 A Revelação de Deus e a Responsabilidade Humana


 

Na concepção reformada, a criação possui estrutura e sentido próprio por ser a própria revelação de Deus, juntamente com a Bíblia. Ao contrário da epistemologia humanista, não é o homem quem dá sentido ao mundo, à história, às ciências, etc, mas Deus já os criou com sentido, sentido este que é explicitado na Bíblia, a revelação escrita de Deus. A Bíblia é a chave para a descoberta do verdadeiro sentido das coisas. Quanto à mensagem, a revelação de Deus na criação e na Bíblia são uma só e por isso a epistemologia reformada parte do princípio de que a criação só pode ser propriamente lida pelos homens (pecadores que tiveram sua razão e sentidos corrompidos desde a queda), através das lentes corretoras da Bíblia. Esta é precisamente uma aplicação de um princípio primordial da reforma na educação:

O que acabamos de dizer não é nada mais que uma reafirmação do princípio da Reforma do Sola Scriptura. A Escritura não é a única fonte de conhecimento e sabedoria. O conhecimento é adquirido da criação que é repleta de sentido em todos os lugares, mas a Escritura é a chave indispensável para a descoberta do sentido. (FOWLER, 1982, p. 45).

Essa posição reformada parte do princípio de que, como a criação é revelação, não é possível separar a criação da revelação a fim de torná-la objeto de estudo científico, pretendendo a suposta neutralidade religiosa defendida por secularistas. Ao contrário, a posição reformada é a de que o significado e a estrutura da criação só podem ser conhecidos em seu sentido mais completo à luz da revelação. Fowler interpreta que é este o sentido mais profundo do verso bíblico: “o temor do Senhor é o princípio do saber” (Provérbios 1:7):

 

O temor do Senhor, e não algum tipo de análise teórica, é a porta para a sabedoria e o conhecimento.

Ao afirmar isso não estamos dogmatizando mais do que Monod dogmatiza quando ele afirma o princípio da objetividade lógica como a chave para todo o conhecimento. Estamos simplesmente articulando um princípio epistemológico fundamental que está de acordo com a nossa base religiosa. Afirmamos claramente nossa rejeição a toda idéia de que o sentido, em sua riqueza e profundidade, pode ser reduzido a um sentido lógico, matemático ou moral. Insistimos que, em sua profundidade, o sentido é de natureza religiosa, revelando-se a nós na raiz religiosa de nossa existência. (1982, p. 46, 47).

A Bíblia, ou a lei de Deus, portanto, é de fundamental importância e necessidade para o conhecimento e por isso deve-se considerar a sua natureza, papel e extensão. A Bíblia afirma que Deus é o Criador e o Legislador do Universo. É de se esperar, portanto, que a Lei por Ele criada não se restrinja ao âmbito da fé e da moral, mas abranja e governe tudo, cada centímetro do universo, e muito embora não encontremos na Lei de Deus os detalhes especificando como os movimentos de rotação elíptica dos planetas, a Bíblia apresenta os princípios fundamentais que regem o cosmos.

O princípio básico afirmado pela Bíblia, é que o cosmos subsiste em Cristo, que é a Palavra de Deus. A Bíblia afirma que o mundo foi criado e subsiste pela Palavra ou pelo Logos divino: “pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis (...) Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste.” (A BÍBLIA..., Colossenses 1:16,17) e em Atos 17: v. 24, 25, 28:

O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas, nem é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa precisasse; pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo o mais; (...) Pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos (...).

Esses textos bíblicos ensinam que todas as coisas encontram sua subsistência, coerência, unidade, sustento e sentido na pessoa de Jesus Cristo. Isso significa que o homem não pode dar coerência ou subsistência ao universo pela sua livre ação, tampouco que ele pode romper a unidade que a criação apresenta em Cristo, o qual reina sobre toda a criação como o seu Mantenedor e Redentor através de sua palavra.

E este é precisamente o significado de Lei: “A Palavra de Deus, que sustenta a criação, é revelada ao homem, na revelação integral da Escritura e da Criação, como Lei” (FOWLER, 1982, p. 48).

O que isso revela sobre o papel do homem? Ele não é um passivo observador do sentido da criação; tampouco é o homem quem dá sentido a criação. Na concepção reformada, o homem é aquele que descobre o sentido da criação através de sua ação responsável, ordenada por Deus desde a criação da raça humana. Desde Gênesis, o homem foi colocado no jardim do Éden para dominar e para governar a criação, segundo os princípios maiores estabelecidos por Deus.

Fowler distingue na Lei de Deus o que chama de ordenanças determinativas e ordenaças normativas. As primeiras constituem as leis divinas que regem e dão estrutura ao Universo à parte do homem e de sua ação, como é o caso da denominada Lei da Gravidade. Já as ordenanças normativas “fornecem os princípios normativos para a atividade formativa do homem como descobridor do sentido da criação” (FOWLER, 1982, p.48). Essas ordenanças declaram o que deve ser ao invés de determinar o modo como as coisas são.

O homem é, portanto, um governante responsável da criação. Ele não é determinista ou fixo em sua ação, tampouco é autônomo, podendo agir como se não houvesse lei a que prestar contas. Diferentemente dessas duas posições extremas, a Bíblia ensina que o homem, ao governar sobre a criação, é livre para agir somente de acordo com essas ordenanças reveladas por Deus. O homem forma normas, sim, adequadas a cada contexto e época histórica, por exemplo, sobre a exploração dos recursos naturais, como a madeira. Entretanto, essa norma positiva que ele deve estabelecer deve estar de acordo com os princípios normativos dados por Deus. Um destes princípios aplicáveis ao caso é que a criação foi feita para o homem e não o homem para a criação. A madeira foi feita para o homem, e não o homem para a madeira e, portanto, é perfeitamente correto, segundo a Bíblia, que o homem usufrua da criação para suprir as suas necessidades. Este princípio do usufruto é balizado por outro princípio bíblico da moderação na atividade humana, na preservação do mundo que Deus criou. Quando a exploração da madeira descamba para uma atividade que põe em risco a sobrevivência de certas espécies da fauna e da flora, ela passa a contrariar esta norma divina. Em tudo isso, o homem não deixa de ser um governante responsável em sua atividade e responsabilidade de fazer leis, embora não seja autônomo.

Essas ordenanças normativas, encontradas na Bíblia em forma de princípios sobre como as coisas devem ser, abarcam a esfera moral tanto quanto a esfera ambiental cujo exemplo estivemos considerando, tanto quanto a esfera econômica, jurídica, estética, social, política, e assim por diante. Fowler enfatiza que os cristãos parecem ter uma tendência de reduzir as ordenanças normativas à esfera moral, degenerando em um código moral sobre como se deve vestir, falar, etc. Fazer isso traz graves conseqüências educacionais, visto que “reduzir a função normativa da Palavra de Deus a uma norma moral é remover a maior parte da atividade humana da autoridade da Palavra de Deus e assim dirigir a vida humana para dentro do abismo do subjetivismo”. (1982, p. 49)


8.2 Implicações Educacionais           


 

Quais são as principais implicações educacionais do reconhecimento dessas ordenanças divinas e do papel do homem como descobridor do sentido da criação? Uma delas diz respeito à posição do reformado para com a ciência. Por um lado, o pensador reformado não pode ser anti-científico. A interação do homem com a criação e o estudo desta pelo homem, quer seja ele crente ou não, produz um tipo de conhecimento fundamentado em experiências, o qual constitui uma análise válida, embora nem sempre produza conclusões verdadeiras. Mas a produção científica faz parte da responsabilidade de um homem cujo papel é o de desvendar o sentido da criação.

Por outro lado, em vista de que a ciência é uma atividade humana e como tal é falível, a ciência não pode ser absolutizada como o único tipo de conhecimento válido. Como deixa claro Fowler:

A Palavra de Deus, não a análise científica detém a chave para o conhecimento, a qual é adquirida através de todas as mais variadas atividades da vida. A educação cristã, portanto, deve recusar-se a transformar a ciência, ou formulações científicas particulares, em uma lei à qual o homem deva submeter a sua vida. Não há lei para a criação que não seja a lei da Palavra de Deus. (1982, p. 50)

Assim, embora se reconheça a validade da experiência para a tarefa educacional, deve-se reconhecer, entretanto, que não se pode extrair sentido diretamente das experiências, mas o sentido delas depende de sua subsistência em Cristo.

Fowler, a propósito do ato educativo, sugere que, sendo a educação uma das áreas da vida sobre a qual o homem exerce a sua atividade formativa como governador da criação, educar envolve exercer poder formativo do professor sobre o aluno. Esta referencia a “poder” não significa que o professor seja um sujeito autônomo que inventa leis e as aplica no ato educativo segundo sua vontade. Muito pelo contrário, o professor não é autônomo, mas é responsável também no ato educativo para com os princípios normativos fornecidos pela Palavra de Deus concernentes à educação.

A obediência do professor ao ensino da Palavra determinará seus atos e concepções educacionais, como por exemplo, a visão que ele tem do educando. As normas bíblicas sobre quem é a criança são claras na Bíblia, e abrangem a sua criação à imagem de Deus, a sua natureza corrompida e a possibilidade de regeneração e restauração da imagem de Deus grandemente perdida na queda. Assim, o professor não verá a criança como um ser que tem a capacidade de dar sentido a sua existência, tampouco tendo o papel passivo de receptora de um conjunto de conhecimentos do passado que são considerados verdades inquestionáveis. A criança também é sujeito e deve aprender a descobrir o sentido existente na criação divina como centrado em Cristo.

E quanto àquele conjunto de conhecimento acumulado pelas gerações passadas? Enquanto os defensores da pedagogia progressiva tendem a despreza-lo, e os tradicionalistas o elevam à posição de verdade absoluta, a resposta reformada é que esse conjunto de conhecimentos deve ser ensinado à criança no ato educacional, não como verdade absoluta, mas como respostas humanas à revelação divina, algumas adequadas à Lei de Deus, e portanto, verdadeiras, outras que revelam mal-aplicação das ordenanças divinas, sendo, portanto, falsas. Esse conhecimento, entretanto, devidamente estudado e analisado, servirá de ferramenta para auxiliar a criança no seu desvendar do sentido da criação.

A criança deve ser estimulada e auxiliada na sua responsabilidade de julgar e questionar a veracidade do conhecimento recebido de acordo com os princípios normativos divinos, de forma que o conhecimento acumulado pela humanidade passa a ser ferramenta para testar criticamente a sua veracidade e relevância. Esse julgamento e esse teste deve ser feito com base na Palavra de Deus.

Fowler acrescenta a importância do teste da relevância. Todo conhecimento adquirido pela criança deve ser testado em termos de veracidade e relevância, e essa relevância diz respeito à sua importância e validade para os diferentes e mutáveis contextos, espaços e tempos:

Toda formulação humana, deve-se lembrar, é uma aplicação que visa adequar-se a uma situação particular de modo que, em um mundo mutável, uma formulação que foi válida no passado pode não mais ser válida para a situação presente. Devemos sempre considerar a possibilidade de uma nova situação estar exigindo uma nova aplicação/especificação da lei normativa já estabelecida. (FOWLER, 1982., p. 52)

 


 

8.3 A Lei do Conhecimento  


 

“Na atividade humana do conhecer, estão envolvidos três fatores: o conhecedor, o conhecível e a lei que governa tanto o conhecedor como o conhecível na situação de aprendizado” (FOWLER, 1982, p. 58). O postulado de Fowler parte do princípio de que só há aprendizado quando os dois elementos essenciais, o conhecedor e o conhecível, são feitos compatíveis através de uma lei que os governa, que garante que aquilo que se deseja conhecer realmente existe e pode ser conhecido, e que há um certo ordenamento e constância no mundo em que vivemos: “Aquele tipo de mudanças que imaginamos nos mundos fantásticos que inventamos não ocorrem em nosso mundo apenas porque o conhecedor e o conhecível estão relacionados um ao outro por algum tipo de lei que garante sua constância em relação um ao outro” (FOWLER, 1982, p.59).

Embora todos concordem em que há uma lei que governa o conhecimento, relacionando o conhecedor e o conhecível, as pessoas têm várias idéias do que seja essa lei, de sua natureza. No mundo ocidental predomina o pensamento que essa lei do conhecimento está localizada dentro do homem, do conhecedor. Seria a faculdade racional do homem operando através de certos métodos considerados científicos, que se forem rigorosamente aplicados, garantiriam a validade do conhecimento adquirido. Porque a validade do conhecimento tem sido colocada na mente humana e nos métodos científicos a ciência tem recebido grande aval no mundo científico dos últimos séculos.      

Uma outra concepção, mais recente, sobre essa lei, é que ela “reside dentro da pessoa livre, a qual não está sujeita a nenhuma lei, nem mesmo a uma lei dentro de si mesma, mas que livremente faz a lei” (FOWLER, 1982, p. 59). Como a pessoa é livre para fazer a lei, o que ela sabe é simplesmente a sua maneira de ver as coisas. Não existe verdadeiro ou falso, pois as coisas não são vistas pelo que elas são. Elas só podem ser verdadeiras ou falsas para o conhecedor. Essa posição chamada de relativista também é muito forte no mundo pós-moderno atual, podendo ser percebida no meio educacional quando se afirma que há diversas opiniões ou pontos de vista sobre uma dada questão, igualmente válidos, e que não se deve impor um ponto de vista sobre o outro ou sugerir que apenas um seja verdadeiro.

Essas duas visões da lei do conhecimento podem ser percebidas no estudo de um assunto tão básico como o alfabeto e a formação das palavras. Temos duas situações: um professor mais tradicional, adepto da primeira concepção de lei, e que enfatiza a aplicação rigorosa da razão e do método científico, e um professor mais aberto e adepto do livre conhecimento. O primeiro iniciará a alfabetização mostrando para os alunos o alfabeto completo e exporá o assunto sistematicamente, através de um método rigoroso e de uma ordem necessária, que passa pelo estudo das vogais, o estudo das consoantes, a formação das sílabas, das mais fáceis às mais difíceis, para depois iniciar a junção das sílabas para a formação das palavras. Haverá uma ênfase na perfeição da escrita e no seguir da ordem proposta para que haja verdadeiro aprendizado.

O segundo professor iniciaria a aula conversando com os alunos, pedindo para que se expressassem, e eles mesmos livremente escolheriam um tema sobre o que conversariam. Os alunos livremente poderiam escolher uma palavra como “amor” e a partir daí, cada um iria dizer o que pensa sobre o amor, e nessa conversa surgiriam mais palavras relacionadas ao tema. Somente a partir dessa discussão e da união dos pontos de vista, o professor perguntaria aos alunos: Que letras vocês acham que é essa primeira letra da palavra Amor. Um diria M, outro diria O, outro diria A. O professor, sem ofender ou negar cada opinião iria, de alguma forma, levar os alunos a concluir que a letra A é a correta, e após ter feito isso com cada letra, o aluno ficaria livre para formar outras palavras a partir dessas letras da palavra amor, devendo ser aceitas todas as palavras que os alunos disserem, as existentes e as que não existem no nosso vocabulário, e assim por diante.

Fowler afirma que no cotidiano escolar, o que predomina não é uma ou outra concepção da lei do conhecimento seguida à risca, mas uma mistura das duas, feita por professores e pedagogos que não percebem como as duas visões são inconciliáveis. Os testes que aplicam à sua teoria do conhecimento são o teste da utilidade prática, o teste do “sucesso”, ou baseiam-se no fato de esta ou aquela visão estar em voga e ser adotada pela maioria, ou porque essa é a visão defendida por este ou aquele educador considerado um “expert” no assunto. Entre educadores cristãos, é comum escolherem uma ou outra teoria por um sentimento intuitivo de que uma delas é mais compatível com a fé cristã.

Qual o problema com essas visões, e porque o educador cristão não pode adotá-las? Ambas colocam a lei do conhecimento dentro do conhecedor humano, concebido como um ser autônomo e a medida para julgar a validade do seu conhecimento, e

(...) à luz da fé cristã deveríamos julgar essa pressuposição de que a lei para o conhecimento reside no conhecedor humano como uma mentira. A verdadeira educação não pode ser construída pela mistura de duas ou mais variedades de falsificações. Ela só pode ser construída na verdade após termos decisivamente rejeitado a mentira da autonomia humana em qualquer área do conhecimento”. (FOWLER, 1982, p. 62).

O educador reformado deve basear sua lei do conhecimento não na autonomia do conhecedor, nem na mente aberta, visto que reconhece que sua mente é corrompida pelo pecado a tal ponto que o seu coração é enganoso e difícil de ser conhecido (Bíblia Sagrada, 1993, Jeremias 17:9). Por isso ele adota como a norma autoritativa de toda a sua vida o ensino da Palavra de Deus. Na concepção reformada, portanto, a norma que governa o conhecimento é a Palavra de Deus:

(...) é a lei da Palavra de Deus, os estatutos, as ordenanças, os decretos que Deus estabelece para a sua criação aos quais todas as criaturas, conhecedor e conhecível, estão sujeitas. A lei não é o princípio inerente ao conhecedor, nem está em qualquer outro lugar na criação, mas é o mandamento dado por Deus à sua criação” (FOWLER, 1982, p. 63)

O caráter da lei de Deus que governa o conhecimento humano é normativo, visto que ela estabelece como o homem deve agir na situação de aprendizado. Como uma lei normativa, a Palavra de Deus pode ser desobedecida, e a validade do conhecimento obtido dependerá da fidelidade e da obediência do homem à lei divina. “Na medida em que o homem obedece à Palavra em sua atividade de conhecer, ele conhecerá verdadeiramente. Na medida em que ele a desobedece, ele falsifica o conhecimento” (FOWLER, 1982, p. 64).

Fowler prossegue em sua argumentação demonstrando a natureza religiosa das normas cognitivas. Ele afirma que são as normas adotadas por cada ser humano que determinam os fatos. Não são os fatos que determinam qual a norma correta. Cada fato é um produto do ato de aprender baseado em normas. Imagine-se a seguinte situação: dois professores, um ateu e um reformado, por exemplo, discutem a reforma protestante. O professor que se diz “ateu” poderia dizer que a causa da reforma protestante foi essencialmente econômica e política. Um professor reformado diria que a mesma reforma foi uma obra de origem divina, em que o Deus Todo-Poderoso usou homens e circunstâncias para reavivar sua Igreja e resgatar o ensino aberto e livre da Palavra de Deus a todos. Não haverá jamais um ponto na discussão em que os professores em questão chegarão a um acordo. Porque o problema não está com o fato. O problema é que as normas que determinam os fatos são diferentes e incompatíveis. O professor ateu tem como norma o pressuposto religioso que Deus não existe como revelado na Bíblia e que Ele não intervém na história humana, convertendo corações, transformando vidas, agindo diretamente na história da Igreja de maneira sobrenatural pela atuação do seu Espírito Santo. A norma que governa o professor reformado, sendo a norma bíblica, parte do pressuposto de que Deus é soberano sobre a História humana e que escolhe e capacita homens para fazer a Sua vontade e leva em conta a obra sobrenatural divina na conversão e nas ações humanas.

A partir desse exemplo, espera-se ter deixado mais claro que o mundo não é um conjunto de fatos inalterados pelas normas cognitivas, e a educação reformada deve se desvencilhar dessa ilusão e “precisa estar criticamente consciente de que todo fato de nosso conhecimento é determinado pelas normas que adotamos em nosso ato de conhecer” (FOWLER, 1982, p. 66).

O ponto fundamental defendido pelo autor é que “o conhecimento autêntico depende da adoção de normas autênticas”, Para o crente, a sua cosmovisão baseia-se na existência de verdades absolutas, contradizendo, assim, a visão de mundo pós-moderna. A sua norma cognitiva leva em conta essa existência, e o clamor é, utilizando o exemplo citado: ou existe um Deus que age soberana e naturalmente na história ou esse Deus não existe. Uma dessas pressuposições (de natureza sempre religiosa, em última instância) precisa ser verdadeira e a outra falsa. O compromisso religioso do crente reformado com a Palavra de Deus o levará a dizer que a norma autêntica é a que leva em conta a existência do Deus da Bíblia, e somente essa norma o levará a um conhecimento verdadeiro da história.

É preciso levantar-se ainda uma questão. Se o conhecimento produzido pelo mundo que não crê nos pressupostos bíblicos não se baseia nas normas da Palavra de Deus, e, portanto, está sujeito a falsidade, não se correria o risco de haver um eterno impasse entre o crente e o incrédulo, de modo que estes jamais poderiam concordar em coisa alguma? Como o crente reformado deve lidar com o conhecimento produzido pelo mundo incrédulo? Deve rejeitá-lo por completo? A resposta de Fowler é elucidativa e dispensa maiores explicações:

Isso não exige que nós rejeitemos toda a obra educacional daqueles que não reconhecem que a Palavra de Deus é a lei para o nosso conhecimento. Porque a Palavra é a lei de toda a criação, e quer a criatura a reconheça ou não, todo conhecimento humano acontece tendo aquela Palavra como lei. Porque isso continua sendo verdadeiro mesmo quando o conhecimento ocorre sob a influência distorcida de princípios religiosos falsos, esse conhecer não perde o contato com a realidade. O princípio religioso falso distorce o ato de conhecer, mas não pode separar totalmente o conhecedor do conhecimento.

Por essa razão, todos, independentemente do seu compromisso religioso, podem contribuir para o nosso conhecimento do cosmos. O que se requer de nós não é a rejeição da contribuição daqueles com um compromisso religioso diferente, mas sim uma avaliação e uma constante e profunda análise crítica dos resultados de todo conhecimento humano com a visão de corrigir os efeitos distorcidos dos princípios religiosos falsos.” (1982, p. 67).

É por esse motivo que os puritanos clamavam que “a verdade, onde quer que a encontremos, é nossa” e é por isso que o educador reformado não nega a validade de toda e qualquer produção científica, cultural, educativa, etc., mas insiste em que todo conhecimento produzido deve ser submetido ao escrutínio ou julgamento da Palavra de Deus, e avaliado a partir das normas por ela fornecidas, a fim de estabelecer ou não sua veracidade e relevância. O que ele deve fazer é investigar profundamente quais as normas que regem as teorias educacionais vigentes, e à luz do ensino bíblico, averiguarmos quais delas são verdadeiras e válidas e quais são falsas. Nesse sentido, “faz-se necessário uma reforma sistemática de nossas normas cognitivas sob cujas bases podemos remodelar nossa prática educacional do início ao fim”. (FOWLER, 1982, p.69)

8.4 Conhecimento: inato ou experiência?     


 

Ainda uma outra discussão relacionada à teoria do conhecimento reformado. Aqui a divergência maior é entre os empiristas e os inatistas ou intelectualistas, quando buscam responder a questão: de onde surge o conhecimento, é inato ou adquirido pelos sentidos?

Os empiristas defendem que todo o conhecimento é adquirido pelos sentidos e que o homem é um vazio, até que passe a conhecer o mundo através da sua experiência. Os inatistas afirmam que o conhecimento é inato ao ser humano e só precisa ser desenvolvido, estimulado, trazido à tona. Tome-se a definição clássica utilizada por Marilena Chauí (2001, p. 69):

O inatismo afirma que nascemos trazendo em nossa inteligência não só os princípios racionais, mas também algumas idéias verdadeiras, que, por isso, são idéias inatas. O empirismo, ao contrário, afirma que a razão, com seus princípios, seus procedimentos e suas idéias, é adquirida por nós através da experiência. Em grego, experiência se diz: empeiria – donde, empirismo, conhecimento empírico, isto é, conhecimento adquirido por meio da experiência.

No decorrer da história da filosofia, ambas as teorias foram achadas com problemas e outras soluções foram buscadas, de modo que novas teorias do conhecimento foram surgindo, com Leibniz no século XVII e sua distinção entre as verdades de razão e as verdades de fato; com Kant no século XVIII em sua “revolução copernicana” que coloca a razão no centro das atenções; e com a razão histórica de Hegel, no século XIX.

A posição reformada é formulada a partir do que a Bíblia revela sobre o assunto da origem do conhecimento, evitando os extremos. A Bíblia afirma que o homem não nasce vazio, muito menos neutro, nem espiritualmente, nem moralmente, nem cognitivamente, nem fisiologicamente.

Fisiologicamente, a criança nasce com instintos. Ninguém a ensina a mamar, mas ela nasce com esse instinto, dado por Deus em sua graça comum não somente aos seres humanos, mas também aos animais, para que possam sobreviver.

Moralmente, a Bíblia afirma que todo homem recebeu de Deus, desde o seu nascimento, uma consciência moral, entendida como a lei de Deus gravada no coração dos homens, destinada a dar ao homem noções de certo e de errado, de bom e de mau, do que agrada ou não agrada a Deus.

Espiritualmente, o homem não nasce vazio, mas nasce com um senso de Deus, da existência de um Criador, de um ser superior a quem deve adorar, prestar contas e do qual necessita, de maneira que só se satisfaz se vier a alcançar a comunhão com Deus, ou ficará sempre com um vazio na alma. Além disso, a Bíblia afirma que o homem, longe de ser espiritualmente neutro, nasce com a natureza corrompida e inclinada para todo tipo de mal. Diz também em Mateus 15:18 que “o que sai da boca procede do coração; e é isso o que contamina o homem” e Marcos 7:21 fornece a explicação: “pois é do interior, do coração dos homens, que procedem os maus pensamentos, as prostituições, os furtos, os homicídios, os adultérios (...)”. 

E cognitivamente? Seria possível que só nessa instância o homem teria sido criado um vazio, uma página em branco? Ou será que a criança já possui a semente de todos os conhecimentos, precisando apenas ser encorajada por um bom professor-estimulador ou facilitador da aprendizagem?

O ensino bíblico nega ambos os extremos. Nem a criança tem a mente em branco, nem é autônoma no seu conhecer, de maneira que possa ser deixada só. Gordon Clark refuta o empirismo com a sua mente em branco argumentando que “desde que Deus é um Deus de conhecimento, eternamente onisciente, como poderia um ser de quem se declara ser a sua imagem e semelhança ser uma mente em branco?” (2000, p. 155). O próprio entendimento por parte de Adão e Eva dos mandamentos dados por Deus implicava em que e eles deveriam ter alguma inteligência inata para entender o mandamento. Embora o mandamento em si não fosse um conhecimento a priori, o equipamento intelectual para entende-lo era. Assim, “a sensação no máximo pode dar alguma informação factual, mas embora isso seja o conhecimento do que é, o empirismo nunca pode produzir o conhecimento do que deve ser” (2000, p. 155).

A criança é um ser criado à imagem de Deus, e como tal, possui uma razão equipada com capacidades, habilidades e possibilidades inimagináveis. A Bíblia afirma ainda que Deus confere dons às pessoas, com os quais todos nascem. E de fato os dons naturais podem ser percebidos nas crianças desde sua mais tenra idade. A criança mal começa a falar e já se demonstra uma criança esperta, com facilidade de expressão e de comunicação. Outra pode ter dons mais voltados para a solução de problemas mais lógicos que se revelam na rapidez com que o bebê inventa estratégias para subir na cadeira e pegar a mamadeira.

Ora, se toda criança nasce com dons e enormes possibilidades como criatura feita à imagem do Criador, então essas capacidades e possibilidades intelectuais devem ser exploradas, desenvolvidas e encorajadas no ensino cristão. Deve-se rejeitar um ensino que desconsidere as aptidões naturais e as habilidades diversas das crianças e que as concebam como um mero depositório de conhecimentos. As crianças são criativas, inteligentes e equipadas por Deus com os princípios que a levam a controlar e a dominar a criação.

Contudo, a criança não é autônoma, tampouco possui o conhecimento de todas as verdades. As verdades da Palavra de Deus e da criação são externas à criança. Por isso a Bíblia fala tanto sobre pregar, ensinar, transmitir o conhecimento, a verdade. Por isso o Antigo Testamento enfatiza o ensino no temor do Senhor, a necessidade de se adquirir a sabedoria e comprar o conhecimento. Os Provérbios de Salomão são endereçados aos jovens, com o seguinte propósito:

(...) para obter o ensino do bom proceder, a justiça, o juízo e a equidade; para dar aos simples prudência e aos jovens, bom siso. Ouça o sábio e cresça em prudência e o instruído adquira habilidade (Provérbios 1:2-5).

Se clamares por inteligência, e por entendimento alçares a voz, se buscares a sabedoria como a prata e como a tesouros escondidos a procurares, então entenderás o temor do Senhor e acharás o conhecimento de Deus. Porque o Senhor dá a sabedoria, e da sua boca vem a inteligência e o entendimento (...) Porquanto a sabedoria entrará no teu coração e o conhecimento será agradável à tua alma. (Provérbios 2:3-6, 10)

Feliz o homem que acha a sabedoria, e o homem que adquire conhecimento. (Provérbios 3:13.

 Esses versos indicam claramente que o conhecimento da verdade e a sabedoria não estão dentro dos homens, mas devem ser buscados com esforço e diligência em Deus. Por isso a importância dada ao registro das informações e das experiências da história para as gerações posteriores.

A criança precisa de correção e de ensino. A correção é um aspecto mais negativo, que aponta para a necessidade de dizer “não” à vontade da criança. A criança tem desejos, atitudes, sentimentos, e conhecimentos inatos que são contrários à Palavra de Deus e que precisam ser cortados, punidos, extinguidos pela disciplina bíblica. Provérbios 22:15 afirma que “a estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina a afastará dela.”

Já o ensino é o lado positivo da educação bíblica. Compreende a instrução na verdade. Ensinar significa transmitir às crianças, de maneira direta, pela fala, ou de maneira indireta, como pelo exemplo, a verdade. E verdade entendida do sentido mais amplo possível. Inclui a verdade sobre Deus, sobre o homem e sua natureza, sobre a natureza, a verdade sobre os animais, sobre as plantas e sobre os planetas. A verdade sobre os procedimentos matemáticos. A verdade sobre os fenômenos físicos e químicos. A verdade sobre as línguas e seu aprendizado, a verdade sobre as relações entre os homens, a verdade sobre a ação correta dos sentimentos, a verdade sobre o que é necessário para preparar um pão gostoso e macio, a verdade sobre como administrar uma empresa de maneira apropriada. A fé reformada lida com absolutos, lida com verdades, e o ensino reformado consiste na partilha dessas verdades a outros.

O aprendizado cristão, por outro lado, consiste no adquirir essas verdades, apreender e entender as instruções que são o conteúdo da educação. Essa apreender das verdades não se limita ao conhecimento intelectual, mas necessariamente pressupõe a transformação do viver como conseqüência do que foi aprendido. Aprender significa entender e pôr em prática. O aprendizado verdadeiro muda a vida. Essa é a concepção do ensino e da aprendizagem cristã, conforme lemos na Bíblia em versos como os que seguem:

O que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso praticai; e o Deus de paz será convosco. (Filipenses 4:9).

Pois não são justos diante de Deus os que só ouvem a lei; mas serão justificados os que praticam a lei. (Romanos 2:13).

Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as pratica será comparado a um homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha (...) E todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as pratica será comparado a um homem insensato que edificou a sua casa sobre a areia. (Mateus 7:24, 26).

 

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Os Deveres dos Pais - Parte 4 (J. C. Ryle)


III.                 Treine os seus filhos com uma consciência constante de que muito depende de você.

A graça é a mais forte das doutrinas cristãs. Veja que revolução a graça efetua quando ela adentra o coração de um velho pecador, como ela destrói as fortalezas de Satanás – como ela derruba as montanhas e preenche os vales – endireita as veredas e os caminhos, e renova completamente o homem. Verdadeiramente, nada é impossível para a graça.

A nossa própria natureza pecaminosa, também, é muito forte. Veja como ela luta contra as coisas do reino de Deus, - como ela combate contra cada tentativa que fazemos de sermos mais santos; como ela mantém uma incessante batalha dentro de nós até o último instante das nossas vidas. A natureza é, de fato, muito forte.

Mas depois da natureza e da graça, sem dúvida, não há nada mais poderoso do que a educação. Hábitos criados na infância (se assim podemos chamá-los) nos constituem por inteiro, embora estejam também sujeitos à vontade de Deus. Nós nos tornamos o que somos pelo treinamento que recebemos. O nosso caráter toma a forma daquele molde no qual os nossos primeiros anos são moldados.

“Aquele que não enxerga em todo lugar o efeito da educação nas opiniões e hábitos de pensar humanos, tem uma visão muito limitada da vida. As crianças trazem do berçário aquilo que se manifestará durante toda a sua vida.” (Cecil) Nós dependemos, em vasta medida, daqueles que nos educam. Nós ‘pegamos’ deles uma cor, um gosto, uma inclinação que se impregna em nós, mais ou menos, por toda a nossa vida. Nós adquirimos a linguagem de nossas mães e babás, e aprendemos a falar esta mesma língua quase sem nos notarmos, e inquestionavelmente, nós adquirimos alguma coisa dos seus jeitos e dos seus modos de pensar e agir ao mesmo tempo. Apenas o tempo poderá mostrar, eu suspeito, o quanto nós todos devemos às impressões infantis, e quantas coisas em nós podem ser traçadas de volta às sementes semeadas nos dias da nossa infância por aqueles que nos cercavam. Um Inglês muito culto Mr. Locke, chegou até a dizer: “De todos os homens que nós encontramos, nove das dez partes que os constituem são o que eles são, bons ou maus, úteis ou não, de acordo com a educação que receberam.”

E tudo isso faz parte dos graciosos arranjos de Deus. Ele dá aos seus filhos uma mente que receberá impressões como o barro maleável. Ele dá a eles uma disposição, logo na linha de partida da vida, para acreditar naquilo que você diz, para assimilar aquilo a que você os aconselha, e para confiar na sua palavra muito mais do que na palavra de um estranho. Ele dá a você, em suma, uma oportunidade de ouro para fazer-lhes o bem. Atente para que essa oportunidade não seja negligenciada e desperdiçada. Uma vez que você deixar que ela escorregue, ela nunca mais voltará.

Cuidado com aquela ilusão miserável, na qual alguns têm caído, de que os pais não podem fazer nada pelos seus filhos, de que você deve deixá-los e apenas sentar de braços cruzados esperando pela graça de Deus sobre eles. Tais pessoas estão esperando para os seus filhos os desejos de Balaão, eles gostariam que eles morressem a morte do justo, mas eles não fazem nada para que eles possam viver a vida do justo. Eles desejam muito e não possuem nada. E o Diabo se regozija em ver tal raciocínio, assim como ele sempre se regozija em qualquer coisa que pareça desculpar o ócio, ou que encoraje a negligência dos meios de graça.

Eu sei que você não pode converter a sua criança. Eu bem sei que aqueles que são nascidos de novo, nasceram não pela vontade do homem, mas de Deus. Eu também sei que Deus nos diz expressamente: “treina a criança no caminho em que deve andar” e que Ele nunca impõe ao homem um mandamento que ele não dê juntamente a graça para que possa observar. Sei também que o nosso dever não é ficar parado e disputar com Deus, e sim seguir avante e obedecer. É apenas quando seguimos avante, que Deus se encontrará conosco. O caminho da obediência é o modo pelo qual ele concede a Sua bênção. Nós apenas temos de fazer como os servos foram ordenados na festa de casamento em Canaã: encher os potes com água, e então confiantemente deixar ao Senhor que transforme a água em vinho.       

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Os Deveres do Pais - Parte 3


Depois do conselho fundamental sobre criação de filhos apresentado na postagem anterior "Treine os seus filhos no caminho em que devem andar, e não caminho que eles preferem", J. C. Ryle sabiamente nos concede agora este segundo e precioso conselho, o qual deverá andar sempre de mãos dadas com o anterior. Estes dois, quando harmonicamente praticados, podem ser entendidos como sendo a chave básica para a criação de filhos no temor do Senhor; e é deste ponto de partida que se seguirão os demais conselhos e princípios a serem apresentados nas próximas postagens. Boa leitura, e que a reflexão bíblica sobre este conselho faça com ele seja praticado cada vez mais em nossos lares!


I.                    Treine os seus filhos com todo o carinho, afeição e paciência.

Eu não quero dizer, com isso, que você deve mimar demais os seus filhos, mas o que eu quero dizer é que você deve demonstrar claramente o seu amor por eles.

O amor deve ser o fio de ouro que se entremeia por toda a sua conduta. O carinho, a gentileza, a longanimidade, o domínio-próprio, a paciência, a simpatia, a disposição para dar atenção aos problemas da infância, a prontidão para participar das alegrias da infância, - estas são as cordas pelas quais uma criança pode ser guiada mais facilmente – e estas são as pistas que você deve seguir se você deseja encontrar o caminho para o seu coração.

Há muito poucos, mesmo entre os adultos, que não serão mais facilmente puxados do que dirigidos em certa direção. Há algo em nossas mentes que se levanta contra qualquer tipo de compulsão; nós damos as costas e endurecemos nossos pescoços contra qualquer ideia de uma  obediência forçada. Nós somos como jovens cavalos nas mãos de um domador: trate-os com gentileza e dê grande valor a eles, e pouco a pouco você poderá guiá-los pelas correias; mas use-os rudemente ou com violência, e muitos meses se passarão até que você consiga adestrá-los.

Assim também, as mentes das crianças são moldadas no mesmo molde das nossas próprias mentes. O rigor e a severidade das nossas ações só farão com que elas se endureçam e dêem as costas para nós. Isso fechará os seus corações e você se desgastará para conseguir abrir novamente essa porta. Mas apenas deixe que eles percebam quanto carinho você tem para com eles – e que você realmente deseja o melhor para eles e deseja fazê-los felizes – que se você os punir, é para o seu próprio proveito, e que, como o pelicano, você daria do seu próprio sangue para nutrir as suas almas... apenas demonstre tudo isso a eles e logo eles serão todos seus. Mas eles devem ser lisonjeados pela sua gentileza, se é que você realmente deseja ganhar a sua atenção.

Certamente, a prática e a razão também poderão nos ensinar essas mesmas lições. As crianças são criaturas frágeis e tenras e, como tais, elas precisam de um tratamento paciente e atencioso. Nós precisamos lidar com elas delicadamente, como objetos frágeis, ou o nosso manuseamento brusco pode vir a fazer mais mal do que bem. Elas são como pequenas mudas de plantas que precisam ser aguadas com cuidado – frequentemente, mas pouco a pouco.

Nós não podemos esperar tudo de uma vez. Nós temos de lembrar que crianças são crianças para que possamos ensiná-las de acordo com o que elas conseguem suportar. As suas mentes são como um bloco de metal – que não pode ser moldado e feito útil de uma só vez, mas somente por uma sucessão de pequenas rajadas de fogo. Os seus entendimentos são como vasos de pescoço estreito, nós devemos despejar o vinho do conhecimento gradualmente neles, ou a maior parte derramará para fora e será desperdiçada. “Linha após linha e preceito após preceito, um pouco aqui e um pouco ali” essa deve ser a nossa regra. A pedra de amolar faz o seu trabalho lentamente, mas o polimento frequente dará à faca uma afiada lâmina. Verdadeiramente, é necessário grande paciência no treinamento de crianças, mas sem ela, nada poderá ser realizado.

Nada poderá compensar a ausência dessa ternura e amor. Um ministro pode proclamar a verdade em Jesus Cristo de modo claro, impositivo e irrefutável; mas se ele não a proclamar em amor, poucas almas serão ganhas. Assim também você pode conferir deveres aos seus filhos – ordená-los, ameaçá-los, puni-los, argumentar com eles -, mas se faltar afeição no seu tratamento para com eles, o seu trabalho será todo em vão.

O amor é o maior segredo de um treinamento bem-sucedido. A ira e a austeridade podem assustar, mas elas não irão persuadir a sua criança de que você está correto; e se ela lhe ver frequentemente com temperamento alterado, logo ela deixará de lhe respeitar. Um pai que fala a seu filho como Saul falava com Jonathan (1 Samuel 20:30), não pode esperar manter a sua influência sobre a mente do seu filho.

Tente ao máximo conservar as afeições dos seus filhos para com você. É muito perigoso provocar medo neles. Quase qualquer coisa é melhor do que manter reservas e pressões entre você e seus filhos; e isso certamente virá como consequência do medo provocado neles. O temor põe fim ao comportamento aberto e franco – o medo leva à supressão e ao encobrimento – ele semeia a semente de muita hipocrisia, e leva muitos à mentira. Há uma mina de verdade nas palavras do Apóstolo aos Colossenses: “Pais, não irriteis os vossos filhos, para que não fiquem desanimados” (Colossenses 3:21). Nunca ignore este conselho.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A Educação no Éden - Parte 3


O Autor da História da Educação Cristã

 

 

Deus como o Autor da História da Educação Cristã


“No princípio, ... Deus”. Se a Bíblia nos revela o que é fundamental em sua ordem de importância, nós temos revelado logo no seu primeiro verso o Fato principal (se poderíamos com reverência chamar Deus assim) que originou todos os demais fatos contidos na história. Uma das grandes marcas da veracidade da mensagem revelada na Bíblia – afirma Lloyd-Jones – é que ela começa com Deus e nos diz que Ele criou todas as coisas. Cornelius Van Til declara especificamente: “o conceito mais básico de todos [por trás de nosso sistema de educação cristã] é o nosso conceito de Deus”.[1] Sendo o grande autor de todas as coisas e da história humana, o criador da vida e a fonte de todo conhecimento, Deus foi também o autor ou inventor da educação cristã, ou seja, Deus foi quem concebeu um ser chamado homem, capacitou-o para que pudesse ser educado, ordenou a sua educação, proveu os meios e os conteúdos dessa educação e prescreveu os fins a que essa educação deveria servir.

A educação cristã fundamenta todo o seu ensino em dois livros principais: O livro da natureza, o universo físico; e o livro da revelação, a Bíblia. Quem escreveu ambos foi Deus. Se Deus não tivesse escrito o livro da natureza, não existiria sujeito nem objeto para a educação. Se Deus não tivesse escrito o livro da revelação, não poderíamos compreender e interpretar os fatos segundo a Sua vontade, pelo que não teríamos uma educação cristã. O Deus criador, vivo e verdadeiro é, portanto, o autor da educação e o seu fundamento principal. E temos o indizível privilégio de conhecer esse Deus somente porque Ele escolheu, por sua livre vontade e imensa graça para conosco, nos revelar nesses livros algo sobre si mesmo e sobre as suas obras, coisas que jamais poderíamos sequer imaginar.

“No princípio... Deus”. Essas são as majestosas palavras que iniciam o livro de Gênesis. A Bíblia não diz por que existe um Deus. Ela pressupõe a existência de Deus. Isso não é uma lacuna ou falha na revelação, mas é a própria evidência da sua veracidade. Deus não julgou necessário dar uma explicação para a sua existência, porque nunca foi realmente necessário justificar a existência de Deus. O pintor de um quadro não precisa provar a sua existência; a própria obra necessariamente revela a existência de seu autor. Talvez seja preciso ler aquela assinatura do nome escrito no canto do quadro para conhecermos a identidade do autor, mas apenas um louco duvidaria de sua existência. Apenas o tolo nega a existência de um Deus que ele sabe que existe (Cf. Salmo 14:1). Assim, o livro da natureza prova a existência do seu autor. A história educacional que parte do Éden tem a plena certeza da existência de um Deus que estava no princípio dessa história como o grande autor da obra cósmica e educacional que tem Nele a sua origem, meio e fim.

O Nome do Autor


A obra da criação proclama a existência de seu autor. Entretanto, se quisermos conhecer a identidade, as características, o caráter desse Autor, precisamos recorrer à informação que Ele mesmo forneceu em seu quadro e ler o nome que Ele assinou. Ele deixou o seu nome escrito em todo lugar, mas diferente de Adão e Eva, nós perdemos a nossa capacidade de visão. Toda a criação O revela, mas nós não temos mais olhos para ver Deus nela: “Deus construiu o universo tão maravilhosamente que cada porção dele o revela para o homem”,[2] afirma Pratt, que também aponta dois textos bíblicos importantes nesse sentido, o Salmo 19:1-2 e Rom. 1:21, 32. Comentando sobre o salmo 19:2, Calvino afirma que “se nós fôssemos atentos como deveríamos, mesmo um dia e uma noite seriam suficientes para nos mostrar a glória de Deus... Assim não sobra ao homem nenhum pretexto para ignorância; pois, visto que os dias e as noites exercem para nós tão bem e tão cuidadosamente o ofício de professores, nós podemos adquirir, se formos devidamente atentos, uma quantidade suficiente de conhecimento sob a sua instrução”.[3] O teólogo e filósofo Abraão Kuyper fez esta interessante observação:

“No Paraíso, antes da queda, não havia Bíblia, e não haverá Bíblia no paraíso de glória futuro. Quando a luz transparente brilha através da natureza endereçada diretamente a nós, a palavra interior soa em nosso coração em sua clareza original, todas as palavras humanas são sinceras e a função de nosso ouvido interior é perfeitamente desempenhada, porque deveríamos necessitar de uma Bíblia?...

... Quando não há nevoeiro para esconder a majestade da luz divina de nossos olhos, que necessidade há então de uma lâmpada para os pés, ou de uma luz para o caminho? Mas quando a História, a experiência e a consciência, todas declarando unidas o fato de que a luz pura e plena dos céus tem desaparecido, e que estamos andando às cegas nas trevas, então uma luz diferente, ou se vocês preferirem, uma luz artificial deve ser acesa para nós, - e esta luz Deus acendeu para nós em sua Santa Palavra. [4]

A natureza continua, como uma pintura de Deus, a nos revelar o Artista, e ainda podemos conhecer muita coisa sobre quem Deus é por intermédio dela, mas precisamos agora dessa “luz artificial” ou sobrenatural que ilumina os nossos olhos e o mundo ao nosso redor, ou, no dizer de Calvino, as lentes corretivas e apropriadas para enxergar o Criador através da sua obra da criação. Essas lentes ou lâmpadas são as revelações especiais de Deus sobre si mesmo, em que Ele como que soletra o seu nome, e se apresenta para o homem como o Deus criador e soberano, como o grande Eu Sou, como o único Senhor, como o seu professor por excelência que deve ser ouvido, crido, obedecido, imitado e refletido pelos seus alunos.

Nessas revelações especiais, Deus como que se abaixa para o nível do homem, e revela-se de uma maneira especialmente clara e pessoal. No Éden, Deus falou audivelmente a sua vontade a Adão com respeito à arvore do conhecimento do bem e do mal e à direção do seu conhecimento e atuação no mundo. Deus se revelou de várias maneiras aos primeiros patriarcas e aos profetas. Na plenitude dos tempos, Deus se revelou na pessoa do seu filho, que se fez homem, habitou entre nós como o nosso grande mestre e nos declarou toda a vontade de Deus. Hoje, portanto, Deus nos fala pelas Escrituras inspiradas, por esse conjunto de todas essas revelações especiais que Deus fez de si mesmo na história, as quais foram concedidas para nos dirigir a um conhecimento verdadeiro Dele mesmo. Não há como não ler o seu nome e ouvir sobre a sua Pessoa neste livro que Ele escreveu com letras humanas. Ele está em todas as suas páginas, da primeira à última.

A Pessoa do Autor


Uma das primeiras e mais importantes lições que aprendemos sobre Deus no Éden é que Ele é o Criador e o Senhor de tudo o que existe, e que Ele é distinto das coisas que Ele criou. Deus é independente de tudo, enquanto tudo o mais depende Dele. A Bíblia o descreve como um ser eterno, único, que existe por si mesmo, independente, absoluto, totalmente suficiente em seu próprio ser. Deus é infinito em seu ser e perfeições e é imutável, visto que o que é perfeito não tem como mudar para melhor ou pior. Ele é onipotente, onisciente e onipresente. É um ser pessoal, único, mas que existe em uma pluralidade de pessoas – como é evidente já em Gênesis 1:26, onde encontramos o verbo na forma plural: “Façamos, pois, o homem à nossa imagem...” – as quais o restante das Escrituras identifica como o Pai, o Filho e o Espírito Santo, ou a Trindade divina. Deus é ainda um espírito puro, portanto incorpóreo e invisível, a não ser na pessoa divino-humana de Jesus Cristo, o Filho. Somente o cristianismo bíblico apresenta um Deus pessoal e auto-suficiente e essa concepção básica da visão de mundo cristã tem implicações para todas as áreas da vida e do pensamento, para a história e para a filosofia da educação. A implicação básica é que, por ser quem é, Deus é Senhor e Soberano absoluto da História da Educação e tem todo o poder e todo o direito de decretar e dirigir todo o curso da vida humana no mundo de acordo com o conselho da sua própria vontade.

A Pessoa de Deus e a História da Educação


O Deus da Bíblia que se apresenta ao homem no Éden como criador e soberano é o pressuposto principal e o Fato mais importante da educação cristã, tanto no sentido histórico como filosófico. Historicamente, a origem da educação humana é encontrada em Deus, nos seus pensamentos, contidos e esquematizados em seus decretos eternos. Ele tinha um projeto e alvo educativo que Ele transmitiu para o homem que criou, mas Ele não é como os deuses pagãos ou como o deus impotente do arminianismo cujos planos são condicionados pela vontade humana. O Deus criador revelado no Éden é também o Deus da providência, aquele que controla, através de suas leis, toda a história humana segundo a sua vontade soberana, sendo capaz de fazer cumprir cada um dos seus intentos: “Somente a fé reformada sustenta a idéia bíblica de um Deus que, desde toda a eternidade, é soberano, que sabe o que quer e é capaz de atingir o seu alvo sem sombra de dúvida. Somente essa posição pode desafiar o não-cristão no campo da educação”.[5] Ainda em seus importantes “Ensaios” educacionais, Van Til faz uma alegoria comparando a história humana a um navio dirigido por Deus:

Deus está no controle da história e tudo o que acontece, acontece por causa de sua determinação última. (...) Deus é o capitão do navio. Ele fez o navio e ele controla o vento e os mares. Ele escolheu os marinheiros. Ele lhes ofereceu uma rica recompensa no final da jornada. Ele fará o navio chegar ao seu destino.[6]

 

Deus tinha um plano educacional para Adão no Éden e para a humanidade que descenderia dele, e Ele irá realizar cada um de seus decretos eternos, apesar das limitações humanas e mesmo apesar do pecado. Essa é a segurança e o fundamento da história educacional cristã: em que ela se baseia nos propósitos eternos de Deus para o homem e para o mundo. A educação cristã está firmada exatamente no fato de que o Deus do Éden não precisa de educação. Não há nada desconhecido para ele. Nada o limita, e os seus planos não podem mudar. Ou o Deus da Bíblia ordena a educação do homem, como assevera a educação cristã, ou o homem ordena a educação de Deus, como o faz a história educacional secular,[7] cujos deuses são determinados pelos caprichos e filosofias humanas da época. Machen esclarece:

Por trás de todos os eventos da história humana, por trás de todas as mudanças na inconcebível vastidão do universo, por trás do próprio espaço e do tempo, existe um propósito misterioso dAquele para quem não existe antes ou depois, aqui ou além, para quem todas as coisas são presente e diante de quem todas as coisas estão descobertas e patentes, o Deus vivo e santo.[8]

Machen  nos lembra ainda que esse propósito eterno de Deus abraça tudo, tanto as coisas grandes como as pequenas; os grandes eventos educacionais como os pequenos. O mesmo Deus que decretou e levou a efeito a educação de Moisés no Egito, a de Daniel na Babilônia, a formação do apóstolo Paulo e a explosão das escolas cristãs após a reforma protestante, também ordena os pequenos começos de nossas escolas, capacita cada um de nossos professores, motiva cada um de nossos esforços de glorificá-lo por meio da educação, e realiza os seus planos redentivos e de promoção do seu reino por meio de eventos aparentemente insignificantes. Sempre que virmos, na história, jovens sendo educados na visão de mundo cristã, e aplicando as verdades de Deus ao seu conhecer, lembremo-nos sempre de que eles não chegaram ali pela sua razão ou inteligência, nem pelo mero esforço de seus pais, mas porque Deus está agindo neles e por meio deles.

Ninguém se engane, nem desanime: a história educacional cristã é a obra de Deus na história. Ela se baseia em fatos históricos, muitas vezes sobrenaturais. A história da filosofia educacional crista não é a evolução de um ponto de vista, como o são as filosofias seculares; ela é uma implicação das verdades e das obras de Deus na história do seu povo. Como disse alguém, Cristo está pessoalmente envolvido nessa obra! O Deus que se revela na Bíblia como o criador dos céus e da terra é soberano Senhor de toda a história e de toda a nossa história educacional, controlando todos os acontecimentos e circunstâncias de nossa vida, do aprendizado cristão que recebemos de nossos pais, ao curso vestibular que passamos, para o bem do seu povo, para a promoção do seu reino, para a consumação do seu plano e para a sua própria glória.

A Pessoa de Deus e a Filosofia da Educação


Também a filosofia educacional cristã baseia-se totalmente nesta concepção de um Deus absoluto e pessoal, que é distinto e independente do mundo natural e que não se confunde com um princípio impessoal, com uma causa racional que precisa ser provada, nem com um ideal universal. O Deus do Éden é criador e infinito, e tudo o mais é finito e limitado, tendo sido criado por Ele e estando total e inteiramente sujeito a Ele. Deus é, portanto, o princípio da filosofia educacional cristã. Porque esse Deus pessoal que se revela na Bíblia concebeu e ordenou a educação do homem, inventou e iniciou o processo educacional educação, a educação cristã, assim como a educação do Éden, tem o seu ponto de partida em Deus, e pode ser chamada, nesse sentido, de Téo-referente:

Isto não significa que o fator humano seja “ignorado em algum sentido, mas ele não é o ponto de partida. O que pensamos sobre Deus indica o que fazemos no campo da educação” (...) considerando que Deus iniciou o processo de comunicação e a busca de comunhão com o ser humano, a educação cristã encontra nele sua motivação e orientação no esforço de levar as pessoas a responderem corretamente a ele.[9]

O pensamento fundamental subjacente a tudo que gostaríamos de dizer sobre educação é que Deus é o mestre por excelência. Ele é quem estabelece toda a verdade; ele é quem deseja que os homens conheçam a verdade; ele nos concede mentes curiosas e reflexivas para buscarmos a verdade, compreendê-la e usá-la; ele nos concede o supremo privilégio de trabalhar em parceria com ele no processo de ensinar e aprender.[10]

Deus é também o meio ou a norma da filosofia educacional cristã. Por ser quem é, o Deus do Éden e da Bíblia tem toda a autoridade para prescrever como a educação do homem deve se realizar. A sua palavra revelada é a palavra final em toda disputa educacional; a sua lei é a norma e o critério para toda decisão pedagógica e para a própria compreensão do mundo. A seleção de conteúdos, as práticas e métodos de ensino, os relacionamentos escolares, tudo precisa ter o “amém” de Deus, precisa estar de acordo com a vontade de Deus revelada em sua palavra, e precisa ser realizado por meio dEle, ou seja, na força que Ele supre, pois Deus sempre concede força e capacita-nos a realizar aquilo que ele nos ordena e que está de acordo com a sua agenda. Por estar, no que se refere às suas normas, centrada na pessoa de Deus e na Sua lei, a filosofia educacional cristã é chamada de teocêntrica, em contraste com as filosofias antropocêntricas (que ignoram a Deus e têm como norma e centro o homem e a sua vontade):  

Enquanto a educação secular suprime questões espirituais, se esforça por manter Deus fora da sala de aula e, consequentemente, da vida dos professores e alunos, a educação cristã enfatiza que o “temor de Deus é o princípio do conhecimento” (Pv. 1:7). A perspectiva cristã de educação é, ao mesmo tempo, teocêntrica e teo-referente. Teocêntrica porque a existência de Deus, seus atributos e sua interação com o mundo criado tornam-se pontos de partida para o entendimento do educador cristão acerca da realidade que o cerca e da qual ele faz parte. Majestade e misericórdia de Deus, por exemplo, são verdades centrais nas abordagens sobre geografia, história, ciência, ética e outras matérias. Seria incoerente para o educador cristão discutir metafísica, biologia ou qualquer outra disciplina à parte da realidade da existência, soberania e providência de Deus.[11]

Deus é também o fim ou propósito da filosofia educacional cristã, a qual busca sempre colocar Deus diante das crianças e as crianças diante de Deus; Deus está sempre presente na sala de aula, no ensino de cada disciplina, estando todos os assuntos relacionados a ele. Somente quando a pessoa de Deus recebe o peso devido a ela na educação é que esta é capaz de glorificar a Deus.  Assim, porque ela entende que o mundo e tudo o que ele contém, incluindo a educação, não pode ser entendido à parte da existência de Deus,[12] e porque os fatos estudados pela educação são unificados e encontram seu sentido último em Deus e não em esquemas humanos, a filosofia educacional cristã pode ser chamada de teísta:

Há apenas uma filosofia capaz de unificar a educação e a vida. Essa filosofia é a filosofia do teísmo cristão. O que se faz necessário é um sistema educacional baseado na soberania de Deus, pois em tal sistema, tanto o homem quanto o estudo da química serão colocados em seu devido lugar, nem tão elevados, nem tão baixos. Em tal sistema haveria um propósito último para o homem, que serviria para unificar e para servir de critério em todas as suas atividades. Faz-se necessário uma filosofia que esteja em consonância com o maior credo da cristandade, a Confissão de Fé de Westminster. Em tal sistema, Deus, assim como o homem, teria seu lugar apropriado. Somente isto fará a educação bem-sucedida, pois a desintegração social, moral, política e econômica de uma civilização não é nada mais que o sintoma e o resultado de um colapso religioso. As abominações da guerra, da peste e da catástrofe econômica são punições pelo crime, ou melhor, pelo pecado que é o esquecer-se de Deus.[13]

A centralidade da pessoa de Deus tem infinitas implicações para a filosofia educacional cristã, mas elas podem ser resumidas no fato de que, diferentemente da educação que rejeita ou ignora a Deus, a educação cristã põe a criança face a face com este Deus. Ela trata a criança como uma personalidade que deve refletir a pessoa de Deus. Ela põe a criança num universo pessoal em que cada fato criado, incluindo o ser humano, revela e reflete as leis e a vontade de Deus. Ela cerca a criança de um ambiente moral em que as leis de Deus (espirituais, morais, sociais, estéticas, etc.) são supremas. Ela coloca o aluno em plena dependência do Deus único e verdadeiro, que é a motivação, o padrão e o alvo de toda a sua vida e educação.

O Conhecimento do Autor


Como seria de se esperar em uma Pessoa que é absoluta e ilimitada, o conhecimento divino é também perfeito e ilimitado. Ele conhece e interpreta os fatos antes que eles ocorram, porque, na realidade, ele determina todos os fatos e acontecimentos de acordo com a sua vontade soberana, sábia e perfeita, que visa a sua própria glória. Ele conhece o fim desde o princípio, porque ele ordenou desde a eternidade o princípio, o meio e o fim de todas as coisas, acontecimentos e suas inter-relações. Ele é soberano e executa toda a sua vontade livremente, sem que ninguém o possa resistir. Além de possuir um conhecimento absoluto e perfeito, Deus é caracterizado pela sabedoria, aquele tipo de conhecimento correto, útil e bom, do qual Ele é a própria fonte e personificação. A sabedoria divina brilhava no contexto da criação e permeava e dirigia também a educação excelente do homem no Éden. No livro de Provérbios, a sabedoria personificada assim descreve a sua presença no início do mundo e da história educacional do homem:

O SENHOR me possuía no início de sua obra, antes de suas obras mais antigas. Desde a eternidade fui estabelecida, desde o princípio, antes do começo da terra. Antes de haver abismos, eu nasci, e antes ainda de haver fontes carregadas de águas. Antes que os montes fossem firmados, antes de haver outeiros, eu nasci. Ainda ele não tinha feito a terra, nem as amplidões, nem sequer o princípio do pó do mundo. Quando ele preparava os céus, aí estava eu; quando traçava o horizonte sobre a face do abismo; quando firmava as nuvens de cima; quando estabelecia as fontes do abismo; quando fixava ao mar o seu limite, para que as águas não traspassassem os seus limites; quando compunha os fundamentos da terra; então, eu estava com ele e era seu arquiteto, dia após dia, eu era as suas delícias, folgando perante ele em todo o tempo; regozijando-me no seu mundo habitável e achando as minhas delícias com os filhos dos homens. (Provérbios 8: 22-31)

Não somente a sabedoria é proveniente de Deus, como também não podemos sequer falar em “conhecimento” à parte de Deus. Conhecimento não é uma abstração ou um conceito geral, superior e independente de Deus; ele se origina e provém de Deus de maneira que a Sua mente é a fonte da verdade sobre todos os fatos. Van Til explica que a verdade não é uma abstração à qual tanto Deus como o homem estão sujeitos. A verdade tem sempre relação com uma mente ou se torna abstrata e sem sentido, e ela não procede da mente humana, mas da mente de Deus.[14] Por isso é que dizemos que toda a verdade é de Deus. Sim, todo o conteúdo da educação – toda a verdade – é de Deus.

Este autor prossegue explicando que Deus é incompreensível para nós, mas não para si mesmo. Nós sequer compreendemos a nós mesmos e o mundo visível ao nosso redor. Mas Deus “conhece o seu próprio ser em suas profundezas em um só ato eterno de conhecimento... nesse sentido o conhecimento de Deus é totalmente diferente do nosso. Nós nunca podemos conhecer as profundezas do nosso ser. (...) O conhecimento de Deus é tão incomunicável quanto o seu ser”.[15] O conhecimento de Deus é absoluto e está totalmente contido Nele, em contraste com conhecimento humano que é dependente de Deus ou derivado do conhecimento divino; contudo o conhecimento humano é da mesma natureza do conhecimento divino, ou seja, é análogo ou de Deus. Se o conhecimento humano fosse totalmente diferente em sua natureza, não haveria possibilidade de conhecermos a verdade de Deus. Assim, a educação cristã reconhece e ensina que Deus é a fonte da verdade e que a própria lógica humana não legisla, mas precisa se submeter à lógica de Deus e ao raciocínio de Deus para que possa descobrir a verdade. Todos os fatos da educação cristã têm Nele a sua origem e interpretação.

O fato do Deus da Bíblia ser um Deus que conhece todas as coisas e que é infinitamente sábio em seus pensamentos, intentos e ações constitui tanto um fundamento como um instrumento para a educação. Fundamento na medida em que estudar as ciências, história, etc., é estudar a sabedoria divina revelada na sua criação e na providência. E um instrumento visto que, sendo Deus o Senhor de todo conhecimento verdadeiro e de toda sabedoria, só Ele pode conceder aos homens esses dons essenciais ao crescimento educacional. O conhecimento da verdade e a sabedoria não estão dentro dos alunos, mas devem ser buscados com esforço e diligência nAquele que é a única fonte de todo o bom e verdadeiro conhecimento:

Se clamares por inteligência, e por entendimento alçares a voz, se buscares a sabedoria como a prata e como a tesouros escondidos a procurares, então entenderás o temor do Senhor e acharás o conhecimento de Deus. Porque o Senhor dá a sabedoria, e da sua boca vem a inteligência e o entendimento (...) Porquanto a sabedoria entrará no teu coração e o conhecimento será agradável à tua alma. (Provérbios 2:3-6, 10)

O Caráter do Autor


O autor da educação cristã é apresentado na Bíblia também como um ser moralmente santo, verdadeiro, fiel, bom, amoroso, gracioso e justo. Mesmo o Éden nos revela os aspectos principais do caráter moral desse Deus pessoal: na constatação divina de que tudo o que criara era bom; na perfeição e harmonia das coisas criadas; no amor de Deus manifestado em seu relacionamento com o homem, dando-lhe tudo o que era necessário para sua felicidade; na veracidade de suas palavras e revelações; e ainda na justiça dos mandamentos de Deus.

A absoluta santidade de Deus é a somatória de todos os seus atributos morais e consiste na única fonte da moralidade cristã, que é, por isso, imutável. Por isso a educação cristã afirma que não pode haver valores morais constantes à parte da religião, pois nada menos que a santidade de Deus pode determinar o que é absolutamente bom e santo para vida humana. Desta feita, uma educação que se proponha a valorizar os princípios morais precisa partir do fato de que é a perfeição imutável do Ser divino quem os estabelece e que não se pode esperar que os alunos pratiquem uma moral sã à parte da dependência da graça e da bondade do único doador da santidade.

De especial importância educacional é o atributo divino da veracidade. Ela significa que o ser divino é único e real, que o seu conhecimento é perfeito e infalível, e ainda que Ele é fiel em seus relacionamentos, palavras e promessas. Esse atributo de Deus ainda garante a confiabilidade do conhecimento humano, a validade da informação dos sentidos e das instituições da razão e da consciência, e principalmente a confiabilidade das palavras inspiradas.[16]

O inabalável equilíbrio entre o perfeito amor e a perfeita justiça de Deus distingue o Deus da Bíblia de todos os falsos deuses de todas as épocas, sustenta o seu governo soberano, inspira as suas leis e permeia a sua inescrutável providência, como aquela que puniu o seu próprio filho por amor de pecadores caídos. Finalmente, a união de todos os atributos de Deus gera o que a Bíblia chama da glória de Deus, a qual demanda dos homens sempre o louvor, a adoração e a obediência em todas as suas ações. Por ser quem é, Deus deve ser cultuado e servido, e não há propósito mais supremo para a educação cristã do que o louvor da glória de Deus. O teólogo e educador Jay Adams explica que glorificar a Deus na educação:

... é atribuir a Ele o peso total ou a devida importância de todas as qualidades que Ele já possui. É atribuir a Ele tudo que Ele realmente é. E fazer tudo (incluindo matemática) para a glória de Deus significa fazer o que quer que seja de tal maneira que a totalidade do peso do relacionamento de Deus com isto seja reconhecido. Glorificar a Deus significa, portanto, fazer Deus pesado ou importante à vista de alguém ou para os olhos de outros, ou ambos.[17]

O Autor na História


Há ainda uma observação fascinante sobre Deus no Éden: ali aprendemos que o Autor da história educacional  participa pessoalmente da história humana. Na pessoa do Filho, Deus se faz presente no princípio, no meio e no fim da história da educação. A Segunda Pessoa da Trindade divina adentra a história humana como mediador entre Deus e o mundo. Ele é, pessoalmente, o princípio de todas as coisas. Ele era o conselheiro da Trindade que, reunida, resolveu: “Façamos...” (Gn.1:26). Ele é a Sabedoria em Pessoa falando em Provérbios 8:22-31. Ele é o Alfa, a primeira causa, o princípio, o começo (Apocalipse 1: 8,17). Ele esteve presente no primeiro ato de criação[18] e continua presente em toda história humana.

Ele adentraria o espaço e o tempo bem no centro da história, mas estava presente desde o seu começo, assim como estará no seu fim. Jesus Cristo, antes de encarnar, era o próprio Verbo, a própria Palavra de Deus, que chamou a luz e todas as demais coisas à existência. (João 1:3) Ele é quem sustenta todas as coisas com o seu poder: “Nele tudo subsiste” (Colossenses 1:17). Sabemos também que o Filho de Deus é o iniciador e o mediador de todo pacto ou relacionamento que possa ser feito entre Deus e os homens. Ele é a própria vida prometida e representada na “árvore da vida plantada no paraíso de Deus”, e a fonte de toda vida natural, espiritual e eterna.

Deus, o Filho, é também o Ômega, o fim, o propósito da existência de todas as coisas e o alvo a que todos os acontecimentos se dirigem. Ele é o fim de toda atividade humana. E mais, Ele é pessoalmente O Fim com o qual tudo e todos haverão de se encontrar no final da história e prestar contas. Deus, o Pai, quis que tudo existisse por causa dele, por meio dele e para ele, que tudo se reunisse nele, que tudo servisse para a sua glória e para a sua exaltação (Rm. 11:36). Jesus Cristo permanece para sempre como o verdadeiro governante e herdeiro do mundo criado. A educação só é teocêntrica quando ela eleva Aquele a quem o Pai elevou, ou seja, quando ela se centra em Cristo. Qualquer educação que se proponha a ser verdadeiramente cristã precisa tê-lo como seu centro e Senhor; como seu princípio, meio e fim; precisa ter olhos para ver Cristo no Éden e na sala de aula, para ensinar Cristo em toda disciplina, para servir e agradar a Cristo em todos os seus intentos.

 

Ao deixarmos esse capítulo, concluímos com uma citação do teólogo Herman Bavink em sua Paedagogische Beginselen, que parece incluir e relacionar todas as aplicações que temos feito sobre a importância 1) da visão do início da história, 2) da revelação e 3) da pessoa de Deus como princípios fundamentais da educação cristã-reformada:

A Bíblia é o livro que orienta o homem também no mundo presente. Isso é evidente se alguém simplesmente lembrar que a Escritura nos fornece uma visão da natureza que não pode ser equiparada por qualquer outra; que ela apresenta uma explicação da origem, da essência, e dos destinos dos homens que tem sido buscada em vão pela ciência e pela filosofia; que ela nos dá um guia para a história do mundo e da humanidade sem a qual ficaríamos perdidos em um caos de eventos. E tudo isso a Escritura nos apresenta de uma forma que é apropriada para eruditos e simples, para idosos e crianças. Aquele que é intruído nas Escrituras e é educado por ela, é levado a uma posição vantajosa da qual ele contempla a grande totalidade das coisas. O seu horizonte se estende até os confins da terra. Ele abrange em seu pensamento o começo e o fim da história. Ele sabe o seu próprio lugar na história, porque ele vê a si mesmo e a todas as coisas primeiramente em sua relação com Deus, de quem, por quem, e para quem todas elas são.[19]

 

Aplicação Educacional  Sobre a Pessoa de Deus como Autor da Educação


Pressupostos e Princípios:


- A existência do Deus pessoal que se revela na Bíblia é o pressuposto essencial da educação cristã. A Pedagogia cristã não precisa se preocupar em provar para ninguém a sua existência. No fundo, todas as pedagogias seculares sabem que Ele existe e estão, como tolos, enganando a si mesmas e aos seus seguidores dizendo que não há Deus. Elas têm se extraviado e se tornado inúteis. Que a nossa teoria pedagógica declare destemidamente o nome do Deus Criador, e apegue-se com firmeza à palavra da revelação e à visão de mundo teísta, téo-referente e teocêntrica.

- A pessoa de Deus é o alicerce da educação cristã. A existência do Deus pessoal e absoluto da Bíblia é o fundamento da filosofia educacional cristã. Solano Portela afirma que o ser, a existência, o conhecimento, o caráter, a lei, e o propósito de Deus são, por sua vez, o alicerce ontológico,  metafísico, epistemológico, ético, nomístico e teleológico da educação[20]. Isso significa que todas as nossas teorias e práticas se derivam desses pressupostos ligados à pessoa de Deus. A singularidade e a dignidade do aluno, a possibilidade e a unidade do conhecimento verdadeiro, o conteúdo de nosso currículo, a existência de uma lei objetiva e de valores absolutos, a necessidade da disciplina e a afirmação de nossos alvos educacionais, todas essas coisas estão firmadas na pessoa de Deus. E se a educação cristã e a educação não-cristã discordam em seu fundamento e pressuposto principal, não pode haver muita coisa em comum entre nós. Na realidade, o pensador Cornelius Van Til diria que nós não temos nada em comum, nem um porcento, e devemos ter muito cuidado em nosso relacionamento com a pedagogia secular! Seja qual for o contato que tivermos com ela - o que para nós, educadores brasileiros, é constante e inevitável, seja em nossos cursos de pedagogia, em nossos livros didáticos, com nossos colegas de profissão, etc. – devemos ter sempre em mente essa diferença, essa antítese essencial, tanto para não adotarmos impensadamente idéias e práticas que ignoram ou rejeitam o nosso Deus, como para testemunharmos dEle mantendo nossa confissão e procedimento firme e consistente diante do mundo incrédulo. Nós devemos ser, como educadores, sal na terra e luz no mundo, e que comunhão pode haver entre a luz e as trevas, entre a educação teo-referente, teocêntrica e teísta, e a educação humanista, antropocêntrica e idólatra?

- Como autor da educação, Deus tem um plano educacional para cada pessoa e situação histórica, e a pedagogia cristã deve buscar compreendê-lo. Nosso programa precisa estar alinhado ao Dele. As implicações desse princípio são muitas: 1) A filosofia educacional cristã deve buscar compreender o plano e projeto educacional de Deus, não inventar os seus próprios esquemas. Ela busca identificar e imitar o plano de Deus, pois só assim será bem-aventurada e bem sucedida no que realizar. 2) No final das contas, só o plano de Deus será realizado. Será inútil batalhar para estabelecer algo diferente da vontade de Deus. Ou esse projeto não irá avante, ou no fim esses esforços serão perdidos. Se, contudo, estamos conscientemente e concordemente agindo do lado de Deus, podemos estar certos de que o Deus soberano e todo-poderoso nos abençoará, e as obras das nossas mãos serão estabelecidas. 3) E mais, se afirmamos que o próprio Deus participa pessoalmente da história humana, estando presente no início, no meio e no fim de cada empreendimento educacional cristão, e sendo cada um de nós personagens no meio dessa história, abarcados pelo plano de Deus, então podemos estar certos de que Deus está presente, na pessoa de seu filho e de seu espírito, agindo na educação do seu povo, em nós e por meio de nós. Ele se preocupa pessoalmente com a nossa educação. 4) Se o plano de Deus é centrado em Cristo, na bendita Pessoa divina que adentrou a história humana para redimir o homem e sua educação, então o projeto educacional cristão coletivo e individual deve estar centrado em Cristo, deve buscar enxergar a sua presença a cada momento educativo, deve ouvir a sua voz e imitá-lo em tudo.

- A pedagogia cristã deve pôr o aluno face a face com Deus. Ela faz isso quando vê a Deus como o fato principal e todos os demais fatos educacionais como originados e dependentes dEle. A educação invariavelmente se ocupa com fatos (ontológicos, psicológicos, relacionais, cognitivos – na teoria educacional; e históricos, numéricos, lingüísticos, etc. – no conteúdo curricular ) e todos devem ser devidamente relacionados a Deus. Ele deve ser reconhecido e exaltado como o criador e mantenedor de todos os fatos, como quem tem a autoridade de ordenar o modo de funcionamento de cada fato, como aquele que chama as coisas à existência, sendo a própria fonte da vida, da sabedoria, da luz, da Palavra, e do verdadeiro significado de tudo o que existe. Portanto, seja no ensino curricular, nos relacionamentos escolares, no desenvolvimento de atitudes, na administração da disciplina, na elaboração e imposição das regras escolares, o aluno deve ser sempre confrontado com a existência, com a presença, com a vontade, com o conhecimento, com as leis e com a verdade de Deus.

Direcionamentos Práticos:


- Não busque provar para seus alunos (como se eles devessem chegar a essa conclusão por sua razão ou julgamento crítico) que existe um Deus, mas afirme ou pressuponha a existência de Deus. Eles sabem que Deus existe. A criação proclama a existência do seu autor. E use frequentemente textos como o Salmo 14 e Romanos 1 que declaram a tolice e a perversão que é o negar a Deus.

- Refira-se sempre a Deus como uma pessoa, ou seja, um ser com racionalidade, sabedoria, vontade, sentimentos, atributos morais, e mostre como toda a sua criação, (especialmente nós, como seres pessoais) reflete e revela seus atributos pessoais. Recentemente ouvi uma série de palestras sobre nutrição proferidas por uma aclamada professora norte-americana, em que ela fazia frequentes afirmações como “a mãe natureza sabia que...”, “a natureza colocou esse nutriente...”, “a natureza nos fez com a capacidade de ...”, e num momento ela chegou a dizer: “a mãe natureza, em sua infinita sabedoria...” Você percebe o contraste entre a educação secular e a cristã? Sem poder negar a imensa sabedoria revelada no funcionamento do corpo humano e dos componentes nutricionais encontrados na criação, essa professora falhou em não atribuir essa qualidade à Pessoa Divina que a estabeleceu. A teoria da evolução faz exatamente isso: ela atribui toda a ordem, a verdade, a personalidade, a inteligência que há no mundo à algo impessoal, ao acaso. Como educadores cristãos, nós precisamos ver e declarar a racionalidade, a moralidade, a vontade e os próprios sentimentos de Deus em todos os fatos educacionais.

- Enfatize para as crianças, sempre de maneira positiva, a autoridade de Deus e de sua Palavra sobre a nossa vida. Sempre que os seus alunos lhe fizerem a pergunta: Por quê? (Por quê isso funciona assim? Por quê isso é bom? Por quê isso é verdadeiro? Por quê isso é justo? Por quê eu devo agir assim?) responda-lhes, em última instância, apontando para a pessoa de Deus: Porque Deus fez assim. Porque Deus julga que é bom. Porque Deus diz assim. Que seus alunos aprendam assim a relacionar a explicação de todas as coisas à Deus.

- Cuidado para nunca ignorar, nem rejeitar, nem diminuir a importância de Deus e do seu relacionamento com cada assunto/fato curricular. Busque, em cada assunto ensinado, relacionar esse aspecto da criação com Deus como o autor de toda a verdade. Que a totalidade do peso do relacionamento de Deus com a matemática, com a botânica, com os agentes comunitários,  com os astros celestes, com as instituições humanas seja reconhecido. Glorificar a Deus na educação requer nada menos do que isso.

- Encare um aspecto de seu trabalho de professor/administrador/supervisor como sendo o de colocar seus alunos, professores ou colegas face a face com Deus: com seus atributos gloriosos, com a sua glória revelada na criação, com sua vontade revelada nas leis naturais e nos mandamentos bíblicos, como dependentes dele para sua motivação, padrão e alvo de toda a sua vida a educação. Não tema orar com eles, no início, no meio ou no fim de uma aula, reunião ou encontro ocasional. Não tema cantar um hino ou canção de louvor diante da glória dos atributos de Deus estudados numa matéria. Não tema agradecer a Deus pela sua presença e revelação no âmbito educacional.

- Veja-se a si mesmo em sua posição de educador e a cada um de seus alunos como decretos vivos de Deus a desenrolarem-se na história, como parte do seu plano eterno e poderoso. Em vista de seus fracassos, não se desespere; em vista do seu sucesso, não se orgulhe. Em vista de uma circunstância difícil ou de um problema complicado, lembre-se de que eles foram especificamente decretados por Deus para este exato momento e com um propósito bom. Em face de um aluno excepcionamente debilitado, quem sabe surdo, altista ou cego, saiba que foi Deus quem o pôs nas suas mãos para o bem dele e seu. Não creio que haja uma verdade mais libertadora e confortante para o educador cristão do que a da pessoa soberana e bondosa de Deus. Coloque cada aula e situação nas mãos de Deus e peça que Ele se faça presente e aja; e ore para que Deus use seus esforços de acordo com o seu plano e para a sua glória.



[1] Van Til, Cornelius. Essays on Christian Education (Ensaios sobre Educação Cristã) (Phillipsburg: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1979), p. 39.
[2] Pratt, Jr., Richard L. Every Thought Captive (Todo Pensamento Cativo) (Phillipsburg: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1979), p. 13.
[3] Calvino, João. Beeke, Joel R. (Ed.) 365 Days with Calvin (356 dias com Calvino) (Grand Rapids: Reformation Heritage Books & Day One Publications, 2008),10 de fevereiro.
[4] Kuyper, Abraham. Calvinismo (São Paulo: Cultura Cristã, 2002), p. 66.
[5] Van Til, Essays, p. 81.
[6] Ibid., p. 85.
[7] Ibid., p. 131.
[8] Machen, The Christian View of Man, p. 34.
[9] Santos, Valdeci. Educação cristã: conceituação teórica e implicações práticas. In: Matos, Alderi; Lopes, Augustus, et al (orgs). Fides Reformata: Edição especial – Educação. (Revista do Centro Presbiteriano de Pós-graduação Andrew Jumper (CPAJ), vol. XIII, no 2. São Paulo: Editora Mackenzie, 2008), p. 164.
[10] Bayne, Stephen. God is the teacher. In: FULLER, Edmund (org). The Christian idea of education. (New  Heaven, Connecticut:Yale University Press, 1975), p. 255.
[11] Santos, op.cit, p. 163.
[12] Clark, Gordon H. A Christian Philosophy of Education. (Uma Filosofia Educacional Cristã) (Jefferson: The Trinity Foundation, 1988), p. 23.
[13] Ibid., p. 21-22
 
[14] Van Til,. Christian Apologetics, p. 10
[15] Ibid., p. 6.
[16] Hodge, A. A. Confissão de Fé de Westminster comentada por A. A. Hodge. (São Paulo: Os Puritanos, 1999), p. 84.
[17] Adams, Jay E. Back to the Blackboard: Design for a Biblical Christian School. (Phillipsburg: Presbiterian and Reformed Publishing Company, 1982), p. 23.
[18] A sabedoria personificada em provérbios 8:22-31 é frequentemente associada com a pessoa do Filho, e assim sendo, temos neste provérbio uma maravilhosa descrição da participação de Deus, o Filho, na obra da Criação e no início da história humana.
[19] Engelsma, David J. Reformed Education, p. 25-26.primeira citação?
[20] Cf. Fides, p. 149.