“Como Maçãs de Ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita a seu tempo.” (Pv. 25.11)

“Feliz o homem que acha a sabedoria e o homem que adquire o conhecimento;
... é Árvore de Vida para os que a alcançam, e felizes são todos os que a retêm." (Pv. 3:13,18)

quarta-feira, 25 de março de 2015

AS RESOLUÇÕES DE JONATHAN EDWARDS - PARTE II

Resoluções de Jonathan Edwards (1722-1723)
por
Jonathan Edwards

Estando ciente de que sou incapaz de fazer qualquer coisa sem a ajuda de Deus, humildemente rogo-Lhe que, através da Sua graça, me capacite a cumprir fielmente estas resoluções, enquanto elas estiverem dentro da Sua vontade, em nome de Jesus Cristo.

Lembre-se de ler estas resoluções uma vez por semana.
 
1. Resolvi que farei tudo aquilo que seja para a maior glória de Deus e para o meu próprio bem, proveito e agrado, durante todo o tempo de minha peregrinação, sem nunca levar em consideração o tempo que isso exigirá de mim, seja agora ou pela eternidade afora. Resolvi que farei tudo o que sentir ser o meu dever e que traga benefícios para a humanidade em geral, não importando quantas ou quão grandes sejam as dificuldades que eu venha a enfrentar. 
2. Resolvi permanecer na busca contínua de novas maneiras para conseguir promover as resoluções acima mencionadas.

3. Resolvi arrepender-me, caso um dia eu me torne menos responsável no tocante a estas resoluções, negligenciando uma ínfima parte de qualquer uma delas e confessar cada falha individualmente, assim que cair em mim.

4. Resolvi, também, nunca fazer qualquer coisa, seja ela relacionada ao corpo ou à alma, menor ou maior, senão aquilo que promove a glória de Deus; nem ser e nem sofrer qualquer coisa, se eu tiver como evitá-la.

5. Resolvi jamais desperdiçar um só momento do meu tempo; pelo contrário, sempre buscarei formas de torná-lo o mais proveitoso possível.

6. Resolvi viver usando todas as minhas forças, enquanto eu viver.

7. Resolvi jamais fazer alguma coisa que eu não faria se soubesse que estava vivendo a última hora da minha vida.

8. Resolvi ser em todos os níveis, tanto no falar como no fazer, como se não houvesse ninguém mais vil do que eu sobre a terra, como se eu próprio houvesse cometido esses mesmos pecados ou apenas sofresse das mesmas debilidades e falhas que todos os outros; também nunca permitirei que o tomar conhecimento dos pecados dos outros me venha trazer algo mais do que vergonha sobre mim mesmo e uma oportunidade de poder confessar os meus próprios pecados e misérias a Deus.

9. Resolvi pensar e meditar bastante, e em todas as ocasiões, sobre a minha própria morte e sobre circunstâncias relacionadas com a morte.

10. Resolvi, sempre que experimentar e sentir dor, relacioná-la com as dores do martírio e também com as do inferno.

11. Resolvi que sempre que eu pensar em qualquer enigma sobre a salvação, fazer de tudo, imediatamente, para resolvê-lo e entendê-lo, caso alguma circunstância me impeça de fazê-lo.

12. Resolvi, assim que sentir um mínimo de gratificação ou deleite no orgulho ou na vaidade, eliminá-la de imediato.

13. Resolvi nunca cessar de buscar objectos precisos para a minha caridade e liberalidade.

14. Resolvi nunca fazer qualquer coisa em forma de vingança.

15. Resolvi nunca sofrer nenhuma das mais pequenas manifestações de ira vinda de seres irracionais.

16. Resolvi nunca falar mal de ninguém, de forma tal que afete a honra da pessoa em questão, nem para maior, nem para menor honra, sob nenhum pretexto ou circunstância, a não ser que possa promover algum bem e que possa trazer um real benefício.

17. Resolvi viver de tal forma como se estivesse sempre vivendo o meu último suspiro.

18. Resolvi viver de tal forma, em todo o tempo, como vivo dentro dos meus melhores padrões de santidade privada e daqueles momentos que tenho maior clarividência sobre o conteúdo de todo o evangelho e percepção do mundo vindouro.

19. Resolvi nunca fazer algo de eu que tenha receio de fazer uma hora antes de soar a última trombeta.

20. Resolvi manter a mais restrita temperança em tudo que como e em tudo o que bebo.

21. Resolvi nunca fazer algo que possa ser contado como justa ocasião para desprezar ou mesmo pensar mal de alguém de quem se me aperceba algum mal. 

sábado, 14 de março de 2015

AS RESOLUÇÕES DE JONATHAN EDWARDS - PARTE 1 - INTRODUÇÃO

RESOLUÇÕES DE JONATHAN EDWARDS

Esta postagem trará aos leitores um achado do grande teólogo Jonathan Edwards conhecido como as suas “Resolucões”. Esse texto consiste em setenta resoluções, escritas durante os anos de 1722 a 1723. Neste período, Edwards estava com mais ou menos vinte anos, tinha acabado de completar o seu treinamento escolar e para o ministério, e estava antecipando o estabelecimento da sua vida de trabalho. Ele fez uso dessa oportunidade para pausar e refletir sobre o tipo de pessoa que ele gostaria de ser e sobre o modo como ele gostaria de viver a sua vida.
Se você ainda não leu a nossa postagem biográfica sobre este grande herói da fé cristã, e deseja conhecer um pouco mais da sua vida e ministério, clique aqui: http://macasdeouro.blogspot.com.br/2015/02/biografias-selecionadas-da-historia-da.html
Em uma maneira que viria a tipificar a sua carreira como um todo, ele tomou a sua pena e, nos poucos momentos de calma que ele conseguia espremer de um dia atarefado, ele escreveu as diretrizes que usaria para esquematizar a sua vida de modo geral – os seus relacionamentos, as suas conversações, os seus desejos, as suas atividades. Assim, por meio destas resoluções, ele como que oferece diversos sábios conselhos a si mesmo.
O manuscrito original deste texto não resistiu ao tempo. Contudo, este texto tem sido amplamente reproduzido e impresso ao longo dos três últimos séculos. Este texto é reproduzido aqui novamente, com poucas revisões do texto para uma atualização da linguagem, com vistas a uma nova geração de leitores. Nossa esperança é que estes conselhos sábios, diretos e biblicamente sadios de Jonathan Edwards venham a nos influenciar profundamente, e possam retornar o nosso foco a Cristo e à Sua palavra revelada, a qual deve ser o único guia para os nossos passos e luz para os nossos caminhos.

INTRODUÇÃO



Edwards passou a maior parte da sua vida no Vale do Rio Connecticut. Desde o seu nascimento, em 1703, até 1750, ele morou ou ao norte ou ao sul do Rio Connecticut, entre os estados de Connecticut e de Massachusetts, exceto por alguns meses entre os anos de 1722 e 1723.
Durante este período, o jovem Jonathan deixou o seu lar e os ambientes familiares para responder ao chamado de servir a uma pequena congregação Presbiteriana na cidade de Nova Iorque. O seu novo ofício pastoral o relocou para onde seria, hoje, entre a Broadstreet e a Wallstreet.
Ele não era nada estranho a aventuras. Como estudante em Yale, ele havia se mudado algumas vezes juntamente com a sua instituição, devido, primariamente, ao fato de que Yale ainda não tinha encontrado um lar permanente, mas também, em parte, como uma tentativa de evitar confronto com as forças que eventualmente se engajariam na Guerra dos Sete Anos.
Portanto, agora, o jovem Edwards de dezenove anos de idade se encontrava em um ambiente totalmente novo, em uma nova situação, e com uma nova e bem pesada responsabilidade.
Para enfrentar estes novos desafios, Edwards, seguindo um padrão que ele estabeleceu ainda bem cedo e continuou durante toda a sua vida, se pôs a escrever. Como muitos dos seus antecessores puritanos, ele começou a escrever em um diário que serviu como uma janela para a sua própria alma e para registrar os seus pensamentos mais profundos. Esta prática serviu também como um modo de apurar o seu relacionamento com Cristo e monitorar a sua condição espiritual. Ele também começou uma série de parâmetros não apenas para medir a sua vida, mas também para estabelecer metas para si mesmo. Em essência, estas vieram a servir como indicadores da sua missão pessoal.
Edwards inicia as suas resoluções com uma lembrança solene: “Eu sou incapaz de fazer qualquer coisa sem a ajuda de Deus.” Ele se excedeu em seus estudos em Yale, se formando como o primeiro da sua classe para o seu bacharelado, e continuou a ser posicionado acima dos seus colegas no programa de mestrado.
Dotado, capaz, e bem treinado, Edwards, contudo, reconhece a sua absoluta dependência de Deus, e esta se torna o ingrediente-chave das suas Resoluções. Longe de ser um advogado da auto-ajuda, Edwards reconhece que tudo o que ele fizer que agrade a Deus, ou tudo o que vale de alguma coisa ou que possui qualquer significado é apenas o resultado da obra de Deus trabalhando por meio dele. Ao mesmo tempo, Edwards também reconhece a sua necessidade de auto-disciplina.
Ao ler as suas Resoluções, você não pode evitar perceber o desejo de Edwards de trazer todas as áreas da sua vida para debaixo do controle Divino. Este desafio permeia todo o texto. Nenhuma área da vida passa despercebida. Ele trata de todos os assuntos, desde a sua comida e bebida até às suas conversações, da oração e leitura bíblica até os relacionamentos para com os seus familiares, da sua vida espiritual até os seus desejos mais profundos – nenhuma pedra permanece de pé. Seguindo os ensinamentos de Tiago, Edwards presta atenção até mesmo àquele membro proporcionalmente menor em tamanho, mas que consiste em um membro muito significativo e dominador do corpo inteiro: a língua. Edwards reconhece quanto mal a língua pode produzir a ele, e em quantos terríveis problemas ela pode lhe colocar, e ele reserva muitas das suas resoluções ao desejo de domar deste pequeno e desgovernado membro.
As Resoluções também revelam a completa determinação de Edwards de trazer cada área da sua vida sujeita à liderança de Cristo e de descansar na soberania de Deus. Os Gregos antigos falavam do summun bonum, ou o bem supremo. Por isto, eles queriam dizer que embora hajam muitas coisas boas pelas quais o homem pode viver, alguma coisa se destaca como a melhor, a mais elevada destas coisas. Para Edwards, de modo geral, a primeira pergunta do catecismo  de Westminster define esta resposta perfeitamente. O bem maior que qualquer pessoa pode fazer  - ou, para usar a linguagem do catecismo, o nosso fim principal - , é “glorificar a Deus e gozá-lO para sempre”. Muitas das resoluções de Edwards representam a sua tentativa de transformar esta definição geral em algo concreto e específico em sua própria vida. Ele se preocupa com a proeminência de Cristo e com a prioridade da Bíblia em tudo o que ele faz. Ele deseja que a sua vida – de fato, os seus dias, semanas e meses – não seja desperdiçada nem mesmo em coisas que são boas em si próprias. Ao invés, ele quer o melhor e se compromete a isso.
Edwards começa a datar as suas resoluções em 18 de Dezembro de 1722, quando ele já está no número 35, e que é o mesmo dia em que ele inicia o seu diário. Ele conclui as resoluções em 17 de Agosto de 1723. Embora as primeiras resoluções não foram datadas, elas provavelmente foram escritas logo antes de começar a datá-las. Ele foi para Nova Iorque em Agosto de 1722 e permaneceu ali até Abril de 1723. Dali até o Outono de 1723, Edwards permaneceu no lar da sua família em East Windsor, escrevendo a sua tese de mestrado e pregando em diversas igrejas, de acordo com as suas necessidades.
Consequentemente, as Resoluções foram escritas em um período de transição na vida de Edwards.  Ele estava saindo do seu estágio fundamental de anos formadores como estudante e adentrando o estágio no qual ele começaria a sua profissão como ministro e teólogo. E durante toda a sua vida, as suas Resoluções foram um companheiro fiel e constante para ele.

Edwards inicia o prefácio das suas Resoluções com uma exortação a si mesmo para “lembrar de ler novamente todas estas resoluções uma vez por semana”. Talvez este conselho também seja digno de ser imitado. As resoluções permanecem tão relevantes hoje quanto eram no momento em que Edwards as escreveu, embora tanto tempo tenha se passado. A leitura regular delas com certeza nos ajudará também a viver, com toda a nossa força, para a glória e o louvor de Deus.

segunda-feira, 9 de março de 2015

UMA VISÃO HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO REFORMADA NO SÉCULO XVII E A REFORMA EDUCACIONAL DE COMÊNIO



Esta postagem faz parte da dissertação "Fundamentos Históricos e Filosóficos de uma Educação Bíblico-Reformada", Parte 1: Educação Reformada: Uma Visão Histórica". Trata-se de um breve histórico da Educação Reformada, desde as suas raízes - que remetem à vida e a obra de Cristo e da primeira igreja cristã apostólica - até uma visão panorâmica da educação reformada em diversos países no mundo atual. A segunda parte desta monografia, sobre os "Fundamentos Filosóficos da Educação Reformada" pode ser encontrada neste blog, na seção de "Filosofia da Educação".  Os capítulos sobre os Fundamentos Históricos da Educação Bíblico Reformada estarão listados dentro da seção de História da Educação, possivelmente divididos em partes menores:
CAPÍTULO 1: A PRIMEIRA EDUCAÇÃO CRISTÃ
CAPÍTULO 3: A EDUCAÇÃO REFORMADA NO SÉCULO XVII
Post 1: Uma Perspectiva Histórica da Educação Reformada no Século XVII e a Reforma Educacional de Comênio. (Post Atual)
Post 2: Os Puritanos e a Fundação das Universidades
CAPÍTULO 4: HERANÇA REFORMADA NA EDUCAÇÃO DOS PAÍSES PROTESTANTES
O leitor que desejar usar ou citar parte deste trabalho pode fazê-lo, desde que indique os dados bibliográficos da obra, abaixo:
            ANGLADA, Karis Beatriz Gueiros    
            Fundamentos Históricos e Filosóficos de uma Educação Bíblico-Reformada/ Karis Beatriz Gueiros Anglada.       
            300 f.
            Monografia (graduação) – Universidade do Estado do Pará. Centro de Ciências Sociais e Educação. Belém, 2004.              
            Área de Concentração: Educação
            Orientador: Maria Betânia Barbosa Albuquerque.
            1. Educação 2. Filosofia 3. Religião Cristã/Reformada

CAPÍTULO 3

A EDUCAÇÃO REFORMADA NO SÉCULO XVII 

3.1 Uma Perspectiva Histórica da Educação Reformada no Século XVII

A fé reformada – entendida como expoente do cristianismo bíblico, que delineou-se a partir do século XVI com o resgate que os primeiros reformadores fizeram da Bíblia como norma de toda vida – não teve seus limites neste momento histórico apenas, mas foi sendo sistematizada, confirmada, aplicada e expandida nos séculos seguintes. Essa trajetória descreve também os caminhos da educação reformada.
No campo mais especificamente religioso, a teologia reformada foi sendo sistematizada em diversos escritos dentre os quais os mais representativos e atualmente utilizados são as confissões de fé, credos e catecismos.
No século XVII houve a expansão e aplicação dos preceitos reformados nos vários países europeus. Poderíamos destacar o puritanismo inglês como um movimento religioso que deu prosseguimento à obra da Reforma. Sua influência alcançou os Estados Unidos da América desde sua colonização. A colonização americana constitui um exemplo de aplicação da fé protestante como princípio norteador de uma nova sociedade estabelecida pelos puritanos no novo mundo.
Um estudo histórico da educação reformada nos revela que muitas das propostas e idealizações dos reformadores só foram concretizadas no século seguinte. Somente no século XVII seriam desenvolvidos os sistemas de escolas reformadas públicas, primeiro na Alemanha, depois na Holanda, Escócia, Nova Inglaterra e outros estados protestantes.
Nos Estados Alemães, a reforma educacional foi das mais desenvolvidas e profundas. Baseadas no plano original de Melânchthon, foram adaptadas e aplicadas já a partir de 1565, com a aprovação de um plano do Duque de Würtenberg para o estabelecimento de escolas elementares vernáculas em cada aldeia e para a reestruturação das escolas de latim. Em 1724 foi disposta a freqüência de meninas assim como a de meninos e em 1773 o ensino obrigatório estendeu-se dos 5 até aos 14 anos de idade, tornou-se efetivo e foi ampliado o currículo (MONROE, 1988, p. 189). Planos semelhantes foram detalhados e adotados pelos Estados de Weimar, Hesse, Darmstadt, Mecklenburgo, Holstein, entre outros.
Na Escócia, somente em 1619 se estabeleceu um sistema educacional efetivo, por meio da cooperação entre Igreja e Estado, apesar dos grandes esforços despendidos no primeiro período da reforma para o estabelecimento de escolas ligadas à Igreja presbiteriana, como ficou conhecida a Igreja reformada escocesa. Esse sistema de escolas elementares e secundárias era supervisionado pela Igreja presbiteriana e se mostrou muito bem-sucedido. J. D. Douglas enfatiza ainda a pressão dos reformadores escoceses para que se estabelecesse um programa de reforma universitária, que apesar da avareza dos nobres foi implantado, de modo que nos dias de Andrew Melville, sucessor de Knox, os estudantes deixavam a Escócia para ensinar, e não para serem ensinados, nas universidades estrangeiras (DOUGLAS, 1990, p. 279).
O Sínodo de Dort na Holanda[1] foi um marco para a Igreja reformada. A partir deste encontro, a Igreja pôde estabelecer, em associação com o Estado, um sistema de escolas elementares em todas as paróquias, que demonstrou-se bastante eficiente e compreensivo. Monroe lembra que “as primeiras escolas das colônias americanas foram estabelecidas de acordo com exigência da Igreja-Estado da Holanda, a qual dispunha que as respectivas companhias de Comércio mantivessem escolas e Igrejas para cada um de seus estabelecimentos”. (MONROE, 1988, p. 191).
A educação reformada na Inglaterra e na América também gerou o desenvolvimento de um sistema de escolas dentro do espírito da Reforma. Esse ponto será enfatizado mais adiante nesse capítulo.
Neste momento, será dada atenção especial à obra educacional de um pensador reformado, João Amos Comênio (1592-1670), considerado no meio educacional como um dos maiores pedagogos da pedagogia moderna e talvez “o maior educador e pedagogo do século XVII” (ARANHA, p. 108), autor de fecunda e sistemática obra educacional tornada célebre no livro A Didática Magna.
                       


[1] O sínodo de Dort foi uma reunião das Igrejas Reformadas ocorrida em novembro de 1618 com o propósito de refutar os cinco pontos do Arminianismo e reafirmar a sua doutrina calvinista da salvação e os cinco pontos do Calvinismo. Suas discussões, entretanto, estenderam-se para várias outras questões sobre a vida e obra da Igreja, dentre as quais assuntos educacionais. Consistiu num marco de afirmação da doutrina reformada e de seu curso de ação.

3.2 Comênio, o Reformador da Educação

 

Comênio, ou Comênius, pastor dos morávios, foi educado na fé protestante do ramo dos anabatistas, que baseavam sua inspiração na vida e no martírio do grande reformador boêmio Juan Hus (1369/71-1415). Como pensador educacional, foi autor de numerosas obras, em que se destacam, além de sua Didática Magna (1633), Pansophiae Prodomus (1630), onde defende a universalização e generalização do ensino; Janua Linguarum Reserata (1631), em que apresenta seu novo método de ensino do Latim, por meio de ilustrações e lições objetivas; e Orbis Sesualium Pictus (1658), em que usa imagens gráficas para exaltar os processos intuitivos.

Um de seus biógrafos afirma que “a preocupação de Comênio com a educação nasceu a partir do fato de que sua própria educação havia sido ruim” (NARODOWSKI, 2001, p. 17). Dentre os principais problemas da educação do seu tempo, Comênio apud Narodowski (2001) relaciona o insuficiente número de escolas e a exclusão dos pobres, a limitação e inadequação dos conteúdos, a falta de harmonia no funcionamento interno das escolas existentes, a falta de uma metodologia do ensino que levasse em conta o desenvolvimento da ciência; a falta de livros-texto adequados e os programas desenvolvidos sem nenhum atrativo para as crianças[2]. Na solução destes problemas educacionais é que ele se empenha, e o resultado deste esforço está relacionado na sua obra mais importante, a Didática Magna[3], a qual também condensa suas principais contribuições e princípios educacionais.

As principais idéias educacionais de Comênio serão aqui resumidas, simplificadas e distribuídas em alguns assuntos:

A finalidade da educação. Segundo este pensador, o objetivo da educação é ajudar o homem a alcançar seu fim último, que é a felicidade eterna com Deus. O fim religioso seria alcançado pelo conhecimento de si mesmo, que inclui o conhecimento de todas as coisas. Os conhecimentos, que levam à virtude e esta à piedade, são os principais fins da educação.

Os princípios  da educação. O homem é um ser educável por natureza, e sua característica essencial é sua aptidão e desejo para o conhecimento. Segue que a natureza humana é a mesma em todos os homens e, portanto, a igualdade torna-se fio condutor das ações dos educadores: deve-se educar a todos a despeito dos acidentes, se homem ou mulher, rico ou pobre, inteligente ou idiota, ávido ou preguiçoso.

O papel do professor. Comênio atribui ao professor um papel fundamental na educação. Ele deve ser aquele capaz de restituir aos alunos o desejo de aprender e trabalhar neles, deixando-os em condição apropriada para aprender.  A ele também cabe a aplicação de medidas disciplinares, para retirar os excessos e defeitos da conduta dos alunos, devendo ser mais severa para os pecados que atestam contra a moral.

O conteúdo da educação. Comênio é adepto do ideal da pansofia, ou a utopia da sabedoria, ou seja, o ideal de ensinar tudo a todos, embora isso não signifique que todos devam ter o mesmo grau e aptidão para todos os ramos do conhecimento, mas significa que os princípios e fundamentos, as razões e os objetivos de todas as coisas podem ser, com ordem e método apropriado, sintetizados e ensinados às crianças.

A universalização da Educação. Constitui um mecanismo para o cumprimento do ideal pansófico. Comênio estabelece a noção da simultaneidade sistêmica, ou a universalidade, que significa a extensão generalizada dos estabelecimentos escolares e o funcionamento homogêneo de todos eles, que implica o sequenciamento temporal da educação em idades, épocas do ano e horas do dia. É a “uniformidade em tudo”: nos métodos, na edição de livros para cada matéria, na forma para cada escola, nos tempos, nos conteúdos, nas atividades do professor, no período de funcionamento escolar por época do ano.

O método. Comênio é defensor de um método de ensino que esteja de acordo com a natureza. Os vários princípios metodológicos por ele postulados constituíram notável mudança nos processos educativos:

·         Os mesmos conteúdos são ensinados em todos os níveis escolares, o que difere é a forma e a abordagem didática, daí o sentido da gradação das etapas escolares em graus que vão do mais simples ao mais complexo.

·         A racionalidade no acesso ao conhecimento: do simples ao complexo, do geral ao particular (método indutivo).

·         O que se ensina deve ser explicado abertamente e de modo claro e distinto, a partir de sua essência, causas e princípios gerais, na sua respectiva ordem e relação com as demais partes do objeto.

·         O caráter instrumental das escolas, que aponta para a necessidade de preparar o educando para a vida futura, para as diferentes atividades sociais. Por isso, tudo deve ser ensinado tendo em vista a sua aplicação prática na vida diária e a sua utilidade específica.

·         A ordem em tudo, a busca do equilíbrio e da harmonia que subjaz na essência do universo deve também orientar a educação.

A organização das escolas. A esse respeito, Comênio fez uma proposta que só seria posta em prática dois séculos depois, a escola da infância ou escola maternal. Seguiria a esta a escola vernácula, uma espécie de substituição do Ginásio para aqueles que não pudessem prosseguir nos estudos. Depois vinha a escola latina – o verdadeiro ginásio – seguida pela universidade. Como continuação desta, Comênio propunha uma instituição dedicada ao estudo científico de todo e qualquer assunto, o Colégio da Luz (PILLETI, 1995, p. 111).

Em suma, como resumiu uma historiadora da educação com relação às contribuições educacionais de Comênio:

Suas teorias educacionais são acentuadamente atuais. Aplicou quase todos os grandes princípios da pedagogia progressiva; fixou as bases da organização do ensino, desde a escola maternal até a academia; chamou a atenção dos educadores para o desenvolvimento das aptidões da criança em contacto com as coisas; elevou-se ao plano moderno da escola unificada, etc.  (DE ROSA, 1993, p. 153)                

Ao lado da importância e atualidade das contribuições de Comênio como Pedagogo e do caráter inovador de suas teorias pedagógicas, que forneceram princípios norteadores da educação até os dias de hoje, destaca-se, na obra deste educador cristão, a influência direta da sua fé protestante e a presença de sua cosmovisão reformada nos princípios educacionais que estabeleceu.

Mesmo estudiosos seculares de sua obra notam este aspecto: “Não por acaso, a religiosidade desempenha papel marcante na visão de mundo desse educador e pastor protestante” (ARANHA, p. 108). E isso de tal forma que a sua crença delineia aspectos mais diretamente ligados à teoria educacional que desenvolveu: “as crenças religiosas de Comênio proporcionaram-lhe a noção de que um mundo único e unificado é uma criação divina” (NARODOWSKI, 2001, p. 20).

Em primeiro lugar, é possível constatar a centralidade da fé reformada no seu pensamento educacional, a partir da própria organização dos temas tratados em sua Didática Magna. Todo o preâmbulo e pelo menos os cinco primeiros capítulos da obra destinam-se fundamentalmente a expor quais são os princípios religiosos do autor, como ele entende as principais doutrinas de sua fé e como elas fornecem a base de seu pensamento educacional. Temos exposta sua visão de homem, da natureza como criação divina e conteúdo da educação, de quem é Deus, do pecado e da depravação humanas, do significado da obra redentora de Cristo para a pedagogia, na finalidade da educação, dentre diversas outras considerações.[4]

Além desses capítulos em que são explicitamente apresentados os fundamentos reformados dos princípios comenianos, é evidente em toda a obra a utilização de conceitos bíblicos como a universalidade da natureza humana, a piedade, o pecado, entre outros; de citações bíblicas, como base de sua argumentação, ora através de histórias, ora em exemplos e textos bíblicos. Sua obra também contém diversos princípios bíblicos e se funda em doutrinas reformadas sobre Deus e sobre a Bíblia. Daí é possível concluir que a Escrituras Sagradas são a fonte primordial e autoritativa a que Comênio submete sua razão e idéias.

Na Didática Magna, a cosmovisão reformada pode ser evidenciada através da existência de pressupostos bíblicos para a educação, na definição do propósito da vida do homem, no currículo, na disciplina, nos fins e meios de cada etapa escolar e no entendimento de que pôr em prática a reforma educacional depende da ajuda de Deus. Vale a pena verificar esses pontos brevemente.

Em primeiro lugar, os pressupostos da educação de Comênio são todos bíblicos, e refletem a visão de mundo reformada. Sua visão do homem é um ponto de partida fundamental. O homem é tido como um ser criado por Deus à sua imagem, em estado de perfeição, posto no paraíso para dominar a terra e desfrutar da presença de Deus, mas com a possibilidade de conhecer o bem e o mal, com o tão aclamado livre-arbítrio (COMÊNIO, 1997, p. 21-22).

Este homem, contudo, não permaneceu nesse estado de perfeição e, em seu livre-arbítrio, escolheu o mal e pecou contra o mandamento de Deus, caindo em estado de pecado. Esta é a doutrina reformada da queda e de seus efeitos trágicos sobre o homem e sobre o mundo, de modo que a queda afetou inclusive a inteligência humana e a sua capacidade de conhecer e discernir as revelações divinas com propriedade (COMÊNIO, 1997, p. 22-25).

A teologia de Comênio, entretanto, não é pessimista, devido à queda, mas encontra seu verdadeiro motivo e propósito na obra de Redenção realizada por Deus em Cristo na cruz do Calvário, pois ele acredita que a obra de Cristo pelos seus eleitos tem um fim eterno e um temporal. O paraíso será restituído ao homem de modo perfeito no céu por toda a eternidade, mas resta um conforto para a Igreja e para o mundo: “que Deus quer renovar aqui na terra também o paraíso da Igreja e transformar seus desertos em jardins de delícias”. (1997, p. 26).[5]

Na base de todas essas doutrinas está a concepção da supremacia das Escrituras Sagradas como o livro divino em que Deus revela Suas verdades e seus mistérios aos homens, e cuja autoridade, suficiência e relevância alcançam todas as áreas da vida e também a reforma da educação: “As santas Escrituras nos ensinam primordialmente que não há caminho mais eficaz para corrigir a corrupção humana que a correta educação da juventude” (COMÊNIO, 1997, p. 27).

O segundo ponto também desenvolvido nos capítulos iniciais da Didática Magna é o de que o próprio Deus em Sua Palavra ordenou a educação dos jovens. Na ordem bíblica já encontramos a primeira base bíblica para a educação da juventude. Comênio relaciona ainda o mandamento de Cristo, visto que Cristo exalta as crianças e amaldiçoa os que as querem afastar do verdadeiro conhecimento e em outros lugares a Bíblia postula a educação como necessária para a Igreja e Estados bem organizados. Acrescenta a isso que a educação dos jovens é de interesse do céu, do reino de Deus e que é o cumprimento da vocação do homem, ou seja, conhecer a Deus e a si próprio (1997, p. 33-42).

Essa consideração remete ao propósito da vida humana para Comênio, e como ele afirma que a educação serve a esse propósito. No capítulo II é exposta a premissa de que o fim último do homem está fora dessa vida:

Três são as espécies de vida para cada um de nós e três as moradas: o útero materno. A Terra. O Céu. Da primeira se entra na segunda pelo nascimento; da segunda na terceira pela morte e ressurreição; da terceira nunca se sai, por toda a eternidade. Na primeira recebemos apenas a vida, com movimentos e sentidos incipientes; na segunda, a vida, o movimento, os sentidos, com os primórdios do intelecto; na terceira, a plenitude absoluta de tudo. (1997, p. 46).

A educação se constitui como propósito desta vida humana na terra, posto que “a primeira vida prepara para a segunda; a segunda para a terceira” (1997, p. 47). A educação cumpre exatamente essa função, de preparação para a vida eterna. Esta preparação é explicitada no capítulo IV “São três os graus de preparação para a vida eterna: conhecer, dominar e conduzir para Deus a si mesmo e, consigo, todas as coisas” (1997, p. 53). O homem, embora com sua imago Dei (imagem de Deus) corrompida, não é dela destituída de todo, ao contrário. A própria razão, mente e intelecto, base para conhecer todas as coisas, e as próprias raízes da religião que se encontram no homem revelam a imagem de Deus no homem. E cabe ao homem regenerado em Cristo ansiar por conformar-se à imagem de Deus mais e mais, buscando a perfeição.

Segue-se que os requisitos genuínos do homem são: 1) conhecer todas as coisas; 2) dominar todas as coisas e a si mesmo; 3) reconduzir a si mesmo, levando consigo todas as coisas para Deus, que é fonte de todas as coisas. Estes três aspectos, designados de modo mais usual são:

I. Instrução;

II. virtude, ou seja, costumes honestos;

III.religião, ou seja, piedade. (COMÊNIO, 1997, p. 54-55).

 Esse propósito triplo da educação para Comênio é assim explicado:

Entendo por INSTRUÇÃO todo conhecimento das coisas, das artes e das línguas; por COSTUMES, não só a correção do comportamento externo, mas o equilíbrio interno e externo dos movimentos da alma; por RELIGIÃO, a interna veneração com que o espírito humano se liga à divindade (...). Nessas três coisas consiste toda a excelência do homem, porque só elas constituem a base da vida presente e futura. (1997, p. 55).

Esses são os requisitos do homem, para Comênio, e por conseguinte os propósitos da educação cristã, os quais só podem ser verdadeiramente alcançados em virtude da obra de regeneração em Cristo realizada pelo Espírito Santo nos corações dos crentes e da obra da graça prometida também à sua descendência, aos “filhos da promessa” (1997, p.69-70).

Comênio (1997) afirma também que a base para criar escolas é o mandamento divino aos pais encontrado em textos como Gn.18:19: “Ordenarás a seus filhos e à sua casa depois dele que se mantenham no caminho do Senhor, praticando a justiça e o direito”; em  Dt. 6:7, Deus solicita a todos os pais: “Inculcarás minhas palavras em teus filhos e delas falarás enquanto estiveres em casa, caminhando, ao te deitares e ao te levantares” e ainda em Ef. 6:4 “E vós, pais, não provoqueis a ira de vossos filhos, mas criai-os na disciplina e na admoestação do Senhor”.

Visto que, em virtude das demandas da vida, raros são os pais que dispõem do tempo e da habilidade para educar os jovens, boa parte dessa tarefa tem sido confiada aos mestres e preceptores nas escolas. E essas escolas cristãs, como delineadas no cap. X, serão dignas desse nome se entre seus principais fins estiver formar os jovens para o amor a Deus e para a conformação a Cristo, o modelo de Perfeição. “Portanto, nossas escolas serão cristãs se nós nos tornarmos, o máximo possível, semelhantes a Cristo” (COMÊNIO, 1997, p.100).

Do ponto de vista do conteúdo da instrução proposta por Comênio, e constata-se que, além das artes, das letras e das ciências, incluem-se prioritariamente a moralidade cristã e a piedade cristã, a que o autor dedica dois capítulos de sua obra.

A concepção de moral, para Comênio, é a que é ditada pelas virtudes bíblicas da prudência (o juízo correto acerca das coisas), da temperança (“nunca em excesso”), da fortaleza (entendida como a moderação da vontade, o vencer-se a si mesmo, dominando a impaciência, o descontentamento e a ira) e da justiça (1997, p. 264).

Os meios para que os jovens aprendam essas virtudes é praticando a honestidade, tendo bons exemplos de vida a seguir, obedecendo a preceitos e regras e afastando-lhes das más companhias, sendo ainda necessária a disciplina contra os maus costumes.

Quanto à piedade, entendida como um dom de Deus dado aos crentes pelo Espírito Santo, o qual entretanto, age por meios comuns, é definida por Comênio como se segue:

(...) é o nosso coração – impregnado pelo reto sentimento, no que se refere à fé e à religião – saber buscar Deus em toda parte, segui-lo por onde quer que tenha estado, fruí-lo onde quer que seja encontrado. Para o primeiro fim serve a mente; para o segundo a vontade; para o terceiro o prazer da consciência.

Procuramos Deus notando os sinais da divindade em tudo o que é criado. Seguimos Deus quando nos entregamos completamente à sua vontade fazendo e suportando qualquer coisa que lhe pareça boa. Fruímos Deus quando nos aquietamos em seu amor e em sua graça, não havendo nada, no céu e na terra, mais desejável que Deus, nada mais agradável que pensar nele, nada mais doce do que os louvores que lhe erguemos, de tal modo que nosso coração se consuma em seu amor. (1997, p. 271-2)

As fontes de que se extraem essas coisas são as Sagradas Escrituras (a palavra de Deus), o mundo (suas obras) e nós mesmos (nosso sentimento interior). Dessas fontes se extrai a piedade pela meditação e reflexão nas obras, palavras e dons de Deus, pela oração e prece que pede a Deus por misericórdia e por direção do Espírito Santo, e pela tentação que prova e fortalece a fé e a conduta.

Outra marca distintiva do pensamento educacional de Comênio é a visão bíblica da disciplina, em seu caráter e propósito. Em seu capítulo XXVI, “Da disciplina escolar”, este autor estabelece a sua necessidade e o seu fim, que pressupõe o pecado e a tendência natural do homem para o erro e as possibilidades de correção. Comênio relaciona a disciplina a ser aplicada nas escolas à forma como Deus também corrige aos filhos a quem ama. No entanto, “isso não significa que escola deva ser cheia de gritos, pancadas, cóleras, mas sim de vigilância e de atenção contínua dos docentes e dos alunos. Que outra coisa é a disciplina senão um método seguro para fazer que os alunos sejam realmente alunos?” (1997, p. 311).

A disciplina aqui defendida é a positiva, não simplesmente punitiva:

(...) a disciplina deve ser exercida contra quem erra, mas não porque errou (o que foi feito, feito está), mas para que não erre mais. Portanto, deve ser exercida sem paixões, sem ira, mas com simplicidade e sinceridade, de tal modo que mesmo aquele a quem for aplicada perceba que é para o seu bem e que é ditada pelo afeto paterno de quem tem a responsabilidade de guiá-lo; assim, poderá recebê-la com o mesmo espírito com que se toma um remédio amargo receitado pelo médico.  (COMÊNIO, 1997, p. 311-12).

Cumpre notar, ainda, que em todos os níveis e escolas propostas por Comênio, da escola materna à Universidade, os ideais cristãos estão presentes como fim e meio de todas essas escolas. As virtudes cristãs são conteúdo e fim educacional já na escola materna (COMÊNIO, 1997, p. 329); os princípios bíblicos da obediência, temperança, justiça, verdade, caridade, diligência devem ser cultivados, visto que Comênio insta que:

(...) crianças de seis anos podem ser instruídas na religião e na piedade, até que conheçam e saibam de cor os fundamentos do catecismo e as bases de seu cristianismo, começando a entendê-las e a pô-las em prática, no que a idade lhes permita. Imbuídas do sentido da divindade não praticarão o mal, pois perceberão a presença de Deus em tudo, e o temerão como supremo justiceiro dos malvados; e se o amarem como aquele que benignamente recompensa o bem, e por isso o venerarem, invocarem e louvarem, dele esperando misericórdia na vida e na morte, farão todo o bem que considerarem do agrado dele e se habituarão a viver diante dos olhos de Deus ou (como diz a Escritura) a caminhar com Deus. (1997, p. 330-31).

Também dentre os objetivos da escola Vernácula estão, entre outros de caráter mais seculares:

VI. Aprender de cor a maior parte dos salmos e dos hinos sagrados em uso na igreja local, para que, alimentados pelos louvores ao Senhor, saibam (...) ministrar ensinamentos e admoestações a si mesmos, mediante salmos, hinos e cantos espirituais, cantando-os com seu coração cheio de graça, em homenagem a Deus. VII. Conhecer perfeitamente, além do catecismo, os feitos e as palavras mais importantes de toda a Sagrada Escritura, para poder recitá-los. VIII. Começar a aprender, a entender e a pôr em prática a doutrina moral, definida segundo regras e ilustrada com exemplos adequados à idade.(...) X. Saber, em linhas gerais, a história da origem, da corrupção e da redenção do mundo que, até o momento, foi administrada pela sabedoria divina. (1997, p.135-36).

Do mesmo modo, na escola latina, o ensino ali ministrado deveria levar os alunos a tornarem-se, dentre outras coisas, “teólogos, para que não só possuam as bases de sua fé, mas também sejam capazes de extraí-las das Sagradas Escrituras” (COMÊNIO, 1997, p. 344). E, por fim, as Academias também tinham a função – primordial – de formar homens capazes e dignos para a Igreja (teólogos e mestres) e para o Estado (governantes civis); e para isso o conteúdo acadêmico inclui o estudo da Bíblia e estudos teológicos.

Ao final da Didática Magna, Comênio lembra a cada um dos leitores sua responsabilidade diante de Deus para com esta grandiosa tarefa da educação dos jovens. Argumentos bíblicos são usados para encorajar todos a se disporem a ajudar e “não enterrarem os talentos”. Estímulo suficiente deveria emanar também do propósito em si dessa obra educacional, que é “a glória de Deus e a salvação dos povos” (1997, p. 373). Além disso, Comênio acrescenta que o empenho nessa tarefa revela o amor a Deus, visto que a reforma das escolas segundo os moldes bíblicos e cristãos é um serviço a Deus e se baseia nas promessas e recompensas oferecidas pelo próprio Deus (1997, p.379).[6]

Comênio reconhece que pôr em prática essa reforma nas escolas constitui um feito que só será possível com a ajuda de Deus, e termina com esta oração em que pede a Deus as forças e a direção para que seja consumada tal tarefa para a glória do Seu nome:

Portanto, Senhor nosso Deus, dai-nos alegria de coração para servir à tua glória, segundo nossas capacidades. Tua é a magnificência e o poder e a honra e a vitória e a majestade, porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra; teu é, Senhor, o reino, e tu te exaltaste sobre todos como chefe. E riquezas e glória vêm de diante de ti e tu dominas sobre tudo, e na tua mão há força e poder; e na tua mão está o engrandecer e dar força a tudo. Porque, quem sou eu, e que é o meu povo, que tivéssemos poder para tão voluntariamente dar semelhantes coisas? Porque tudo vem de ti, e da tua mão to damos. Porque somos estranhos diante de ti e peregrinos como todos os nossos pais; como a sombra são os nossos dias sobre a terra, e não há outra esperança. Senhor Deus nosso, toda esta abundância que preparamos para edificar uma casa ao teu santo nome vem da tua mão. E a Salomão, meu filho, dá um coração perfeito, para que possa fazer todas as coisas necessárias à tua glória (I Cr XXIX). Fortalece, Senhor, o que fizeste em nós (Sl LXVIII). Apareça a tua obra aos teus servos e a tua glória sobre seus filhos. E seja sobre nós a graça de Jeová, Nosso Senhor, e Jeová em pessoa dirija a obra de nossas mãos (Sl XC, 16). Em ti esperamos, Senhor, e não viveremos em confusão eterna. Assim seja. (1997, p. 379-80).



[1]O sínodo de Dort foi uma reunião das Igrejas Reformadas ocorrida em novembro de 1618 com o propósito de refutar os cinco pontos do Arminianismo e reafirmar a sua doutrina calvinista da salvação e os cinco pontos do Calvinismo. Suas discussões, entretanto, estenderam-se para várias outras questões sobre a vida e obra da Igreja, dentre as quais assuntos educacionais. Consistiu num marco de afirmação da doutrina reformada e de seu curso de ação.
[2] Narodowski as relaciona em seu livro.
[3]A versão aqui utilizada é a publicada pela Editora Martis Fontes: COMÊNIUS. Didática Magna; tradução Ivone Castilho Benedetti. – São Paulo: Martins Fontes, 1997. – (Paidéia)

[4] Os títulos dos cinco primeiros capítulos tratam do seu pensamento religioso e são essas considerações que introduzem e fundamentam o capítulo 6 e seguintes:
Cap I – “O homem é a mais elevada, perfeita e excelsa das criaturas.”

Cap. II – “O fim último do homem está fora desta vida.”

Cap. III – “Esta vida não passa de preparação para a vida eterna.”

Cap. IV – “São três os graus de preparação para a vida eterna: conhecer, dominar e conduzir para Deus a si mesmo, e consigo, todas as coisas.”

Cap. V – “Temos em nós por natureza as sementes da instrução, das virtudes e da religião.”

Cap. VI – “O homem, para ser homem, precisa ser formado."
 [5] Cristo como redentor é um ponto essencial à pedagogia de Comênio e à Filosofia da Educação Reformada
[6]Comênio cita a Bíblia Sagrada, em Malaquias 3:10 sobre este assunto.