“Como Maçãs de Ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita a seu tempo.” (Pv. 25.11)

“Feliz o homem que acha a sabedoria e o homem que adquire o conhecimento;
... é Árvore de Vida para os que a alcançam, e felizes são todos os que a retêm." (Pv. 3:13,18)

terça-feira, 20 de outubro de 2015

EDUCAÇÃO CLÁSSICA CRISTÃ? (Parte I)


Educação Clássica Cristã

 

Parece crescente o número de pais e educadores que têm se mostrado curiosos sobre a educação clássica, fenômeno educacional moderno que tem se difundido no meio educacional, com o surgimento de muitas escolas dessa persuasão, e com um crescente número de adeptos na educação domiciliar. Seus aderentes têm exaltado o seu currículo diferenciado, o sucesso de seus métodos de ensino e os excelentes resultados acadêmicos dos seus alunos, tanto no contexto do homeschooling, como nas escolas e cooperativas clássicas que têm se multiplicado, especialmente em países de língua inglesa, a exemplo dos Estados Unidos. Nesse pequeno artigo, gostaria de fornecer aos leitores um breve histórico e caracterização deste modelo educacional e de sua prática; em seguida, me proponho a apresentar algumas observações sobre o método clássico de uma perspectiva cristã. E finalmente busquei indicar algumas leituras adicionais para quem deseja estudar mais o tema ou conhecer materiais didáticos e instituições adeptas dessa tendência.

I- Histórico


 

Origem da Educação Clássica


 

A educação clássica no sentido mais estrito e histórico do termo se refere ao modelo educacional desenvolvido pelos gregos antigos, especialmente creditado a Aristóteles, para o desenvolvimento da razão humana segundo as perspectivas e necessidades do seu contexto sócio-político.  Interessados como eram os filósofos gregos na arte da lógica e da aquisição de conhecimento, seja com base no método platônico de buscar esse conhecimento no mundo abstrato das idéias, ou no método aristotélico que valorizava mais o conhecimento do mundo físico, eles formularam um ideal educacional que visava formar pensadores altamente racionais; cidadãos virtuosos e úteis à sociedade, e excelentes oradores com habilidade para expor, discutir e propagar os ideais da civilização greco-romana por meio da política, da filosofia e de uma educação liberal, própria aos cidadãos livres, que, ao aprenderem a pensar, seriam "libertos" da ignorância e elevados a uma categoria mais humana, mais excelente. Para isso, os pequenos cidadãos dessa sociedade "iluminada" deveriam ser formados nas Artes Liberais, ou seja, num conjunto de sete disciplinas que buscavam exatamente a formação intelectual e acadêmica de cidadãos pensadores e livres. Essas sete disciplinas eram divididas em duas etapas, que seriam apropriadas aos diferentes estágios de desenvolvimento da pessoa: o trivium consistia no ensino de disciplinas básicas e instrumentais através da gramática, da lógica e da retórica, e compreendia todo o ensino fundamental e médio. Já mais a nível universitário, os alunos poderiam se aprofundar no quadrivium, que compreendia a música, a aritmética, a astronomia e a geometria.

 

O Método Clássico: O Trivium e o Quadrivium


 

A primeira etapa do trivium era mais apropriada àquela fase inicial em que as crianças menores, ávidas por absorver uma grande quantidade de informação, e com grande facilidade de memorização, embora ainda não capazes de desenvolver o pensamento formal, eram ensinadas, por meio da repetição e memorização, as leis e os fatos principais da "gramática" das línguas, da matemática e dos diversos assuntos, os quais elas iriam, no momento, absorver pela memorização para serem desenvolvidos e aplicados no futuro. Essa fase do desenvolvimento do pensamento ficou conhecida como a "fase gramatical", e as escolas especializadas nesse nível da instrução vieram a ser chamadas de escolas de gramática, pois buscavam ensinar às crianças as leis e princípios fundamentais das disciplinas instrumentais. Nessa fase as crianças aprendiam a ler e a escrever, por vezes mais de uma língua, a realizar operações básicas matemáticas, ("a gramática da matemática"), e eram apresentadas pela primeira vez a muitos fatos simples envolvendo perguntas como "o que? Quem? Quando? Onde? além de virtudes e habilidades considerados importantes para as fases subsequentes.

 

Numa fase posterior (grossamente dos 8 aos 12 anos) as crianças, já bem estabelecidas na sua capacidade de ler bem, e supridas dos conhecimentos e habilidades necessárias para dar prosseguimento à sua formação liberal, agora na fase lógica, iriam  aprender a desenvolver a sua mente racional. Por meio dos princípios da lógica e da arte da dialética, o professor fazia uso de perguntas elaboradas com vistas a acessar o conhecimento dos fatos que a criança já possuía para guiar as suas pupilas a um conhecimento mais profundo dos fatos, ao conhecimento de novos fatos, e à percepção da interligação entre eles, das noções de causa e efeito, sempre por meio de um método lógico e racional. A criança aprendia a fazer perguntas que a levassem a um nível mais elevado de conhecimento, que agora incluíam o "Por quê, o Para quê e o Como" de assuntos apropriados à sua idade e fase de desenvolvimento. Até aqui a criança está aprendendo por meio da memorização e está treinando a razão a fazer perguntas que a levem ao conhecimento do mundo, mas ela ainda não é considerada capaz de expressar-se de maneira original e criativa sobre o mundo.

 

A partir dos doze anos, agora capacitados com as habilidades instrumentais necessárias para buscar o conhecimento por si próprios; já bem treinados a aprofundarem-se no conhecimento do mundo por meio de perguntas lógicas e metódicas; e com a mente suprida de muitos e variados fatos e conexões de fatos, os jovens seriam estimulados, na fase retórica, a aperfeiçoarem a sua capacidade de expressão pessoal criativa e estética sobre assuntos mais analíticos e controversos. Por meio da retórica, dos debates e da arte da argumentação persuasiva, os jovens aprendiam a ser membros ativos da sociedade livre a que pertenciam, participando da política, das artes, e contribuindo para os avanços científicos da época.

Somente aqui eles iriam desenvolver o seu intelecto ao mais alto grau, focalizando agora na expressão de opiniões próprias bem firmadas em fatos e argumentos lógicos, e na beleza artística e habilidades de persuasão da linguagem falada e escrita.

 

Após dominado o trivium, o estudante, no que agora corresponde ao grau universitário, estudaria o quadrivium – música, aritmética, astronomia e geometria – que podem ser vistas em linhas gerais como espécies de verdade:

A música incluiria verdades estéticas, a percepção da harmonia ordenada da beleza, que era vista não como mero prazer subjetivo, mas como um absoluto. A Aritmética incluiria os absolutos matemáticos intrínsecos ao universo e à pura idealização.  A astronomia compreenderia todas as ciência empíricas, as verdades percebidas pelos sentidos e pelas provas externas. A geometria incluiria a arquitetura e o desenho, as relações espaciais implícitas tanto na engenharia como nas artes visuais. (VEITH, 1999, p. 87)

 

Desenvolvimento Histórico da Educação Clássica


 

Não há dúvidas de que esse tipo de educação formou excelentes pensadores, matemáticos, políticos e oradores. Tendo um insight verdadeiro sobre as características e estágios de desenvolvimento da mente humana, os gregos supriram a educação de um modelo de desenvolvimento acadêmico que sobreviveu incontestável por muitos séculos, tendo até hoje adeptos. O apóstolo Paulo e os pais da igreja, os mestres medievais, os grandes pensadores do renascimento, os reformadores, e os puritanos do século VXII, que fundaram as grandes universidades na Inglaterra e na América do Norte, todos foram formados segundo as linhas gerais do modelo clássico. Vemos, portanto, que o método clássico tem seus adeptos seculares e cristãos, prestando um serviço a educadores de origem e propósitos muito diversificados. Seus métodos são como ferramentas, recentemente redescobertos como as "ferramentas perdidas da aprendizagem", que como martelos, serras, e pás, serviriam tanto para a construção da cidade dos homens ou da igreja de Deus.

 

Declínio da Educação Clássica


Somente nos últimos séculos, que seguiram às grandes revoluções, a educação clássica passou a ser vista como inadequada aos novos ideais sociais, e foi progressivamente desgastada e denunciada ora como elitista demais para a classe proletariada, ora como idealista e teórica para a era pragmática e industrializada, ora como uma ameaça aos interesses dos governos tiranos, ditatoriais e comunistas, ora como ultrapassada diante das novas pedagogias progressistas e relativistas. Contudo, na prática, todo conhecimento intelectual verdadeiro continua sendo estritamente adquirido pelo método clássico, quer você esteja aprendendo a ler, a fazer uma receita de bolo, a construir um avião, ou a tocar piano: primeiro nós entramos em contato com um fato que precisamos memorizar ou reter. Depois nós trabalhamos esse fato em nossa mente por meio de perguntas e etapas lógicas; e finalmente nós expressamos esse conhecimento aplicando-o às situações da vida. Isso acontece porque a gramática, a dialética e a retórica correspondem às leis da aquisição acadêmica do conhecimento; são as fases principais do aprendizado intelectual. Qualquer educação que subverte essa ordem, ou ignora uma dessas etapas está fadada a desmoronar, razão porque os métodos pedagógicos progressistas atuais estão levando a um buraco que muitos pais e educadores estão tentando remediar, perguntando-se: Qual é o problema com a educação atual? Porque as crianças modernas da era tecnológica estão academicamente defasadas academicamente em comparação com as gerações anteriores?

 

Continua...