“Como Maçãs de Ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita a seu tempo.” (Pv. 25.11)

“Feliz o homem que acha a sabedoria e o homem que adquire o conhecimento;
... é Árvore de Vida para os que a alcançam, e felizes são todos os que a retêm." (Pv. 3:13,18)

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Mulheres da Reforma Protestante - Lady Jane Grey

Lady Jane Grey
(1537-1554)

“A história que raramente é contada sobre a Reforma é a história das mulheres da Reforma. Nós tendemos a contar a história de todos os homens, e isto porque eles é quem foram os pastores, e nós que cremos nos ensinos baseados nas Escrituras, sabemos que o pastorado é um ministério reservado apenas para homens. Nisso, contudo, nós nos esquecemos do fato de que as mulheres também tiveram um papel muito significativo na história da Reforma Protestante.” (Crossway publications)

O papel que a maioria delas exerceu foi como esposas. Nós não teríamos Martinho Lutero, e tudo o que ele pôde realizar em prol do verdadeiro evangelho sem a sua esposa Kathe, a qual o auxiliou, apoiou e complementou em todas as áreas. “Estas mulheres receberam grandeza dos seus maridos, e retribuíram transmitindo delicadeza, bondade e beleza às suas vidas e ministérios. O que teria sido de Lutero sem a sua Kathe? De Zwinglio, sem Anna, a sua inseparável companheira? As mulheres da Igreja Reformada têm sido um elemento importante na sua história. Assim como Débora e Ester, juntamente com as Marias do Novo Testamento, ajudaram a construir a história bíblica, assim também as mulheres da Reforma têm contribuído para tornar a sua história ainda mais gloriosa.” (James I. Good – As Grandes Mulheres da Reforma)

Mas também houveram outras mulheres que fizeram excelentes e significantes contribuições por si próprias. Segundo Stephen J. Nichols, historiador e presidente do Reformation Bible College, bem como chefe acadêmico do Ministério Ligonier, uma das histórias que precisam ser contadas e rememoradas é a de Lady Jane Grey, que, além de mulher, foi uma jovem mártir da Reforma, fiel e piedosa, a qual também ficou conhecida como a Rainha dos Nove Dias. Ela recebeu este título por ter assumido o trono da Inglaterra por um período de apenas nove dias - sendo então destronada pelos seus adversários católicos e trancafiada na torre adjacente ao castelo, para então ser decapitada, em virtude da sua fé e amor a Cristo, com apenas dezessete anos de idade.

Em sua série de palestras “Reformation Profiles” (Perfis da Reforma) baseadas nos cinco “Solas” da Reforma Protestante, Nichols relaciona cada “sola” a um dos personagens principais deste período: Sola Scriptura a Martinho Lutero; Sola Gratia a Ulrich Zwingli; Sola Fide a Lady Jane Grey; Solus Christus a João Calvino e Soli Deo Gloria aos pós-reformadores e à rica herança que estas doutrinas deixaram para a verdadeira Igreja de Cristo. 

Daí a importância de conhecermos um pouco mais sobre esta jovem heroína da fé Cristã, Lady Jane Grey. Desde o início de sua adolescência, vemos que ela já possuía uma grande habilidade com as línguas. Ela já dominava o Latim e o Grego, e estava estudando o Novo Testamento em Grego. Ela escreveu uma carta a Martin Bucer, o teólogo que Calvino fez questão de ter como o seu tutor em Strausberg, perguntando a ele qual seria o melhor método para se estudar o Hebraico, a fim de que ela pudesse estudar o Antigo Testamento na sua Língua original. Ela tinha apenas por volta dos treze anos de idade, nessa época, e já dominava as línguas Grega e latina, as quais utilizava para o estudo das Escrituras. 

Após a morte do seu primo, Edward VI, que a havia nominado como a próxima rainha, ela assumiu o trono da Inglaterra, ficando assim conhecida como a “rainha dos nove dias”. Contudo, a meia-irmã de Edward VI, Mary (que mais tarde ficaria conhecida entre os protestantes como “Maria, a sanguinária”, em virtude do grande número de protestantes que ela executou) conseguiu unir as forças populares e armadas da Inglaterra, convencendo-os de que tinha direito ao trono. Assim, as tropas marcharam pela cidade de Londres para entronar Mary, e Lady Jane Grey foi aprisionada na Torre de Londres.

Mary, que tinha fortes convicções católicas, reverteu a Reforma que já estava acontecendo na Inglaterra e levou o país de volta ao catolicismo. Mary enviou o Bispo Feckenham para ir interrogar  Lady Jane na torre do castelo e tentar persuadi-la a se tornar católica, a fim de que fosse livrada da morte. Contudo, neste processo, ela exaltou tanto a doutrina da suficiência das Escrituras (Sola Scriptura) e demonstrou tanto conhecimento ao defender a Justificação pela fé somente (Sala Fide), que Feckenham simplesmente se retirou, não conseguindo refutar os seus argumentos ou debater com ela.

A sentença foi dada e ela foi condenada, de modo que esta jovem, fiel, piedosa, ousada e cheia de graça e conhecimento da verdade foi executada em virtude da sua fé, tornando-se mártir da Reforma Protestante na Inglaterra. Pouco antes do seu martírio, Lady Jane Grey escreveu algumas palavras em sua cópia do Novo Testamento que ela estava deixando para a sua irmã. Ela escreveu sobre como exteriormente esse livro não era enfeitado com ouro, como eram alguns dos livros mais refinados em sua biblioteca, mas “interiormente valia mais do que pedras preciosas”. Pedro afirma que Deus nos doou “todas as coisas que conduzem à vida e à piedade” nas “preciosas e mui grandes promessas” da sua Palavra (2 Pedro 1.3-4). A Palavra de Deus é suficiente para nos dizer o que devemos crer para que sejamos salvos e como podemos agradar a Deus. A sua profunda convicção de que a justificação vem pela fé somente a capacitou para encarar até mesmo a sua decapitação com a plena confiança de que a salvação da sua alma descansava nas mãos do seu Salvador, e não nas suas próprias.

Podemos ter alguma noção da teologia e da piedade de Lady Jane a partir da leitura desta carta que ela escreveu na véspera do seu martírio à sua irmã mais nova, de quatorze anos de idade, na época, Katherine Grey. Ela diz:

“Viva para morrer, a fim de que, pela morte, você venha a adentrar a vida eterna, e então goze da vida que Cristo garantiu para você, por meio da sua morte. Não pense, só porque você agora é nova, que a sua vida será longa, pois tanto jovens, como velhos são levados por Deus, quando Ele os chama.”

No dia da sua execução, Lady Jane carregava consigo apenas um livro de orações, com trechos bíblicos ou provenientes das obras de Jerônimo, Ambrósio e Agostinho, reconhecidos pais da igreja do século IV. No seu discurso final, estas foram as suas palavras:

“Boas pessoas, eu cheguei até aqui para morrer, e pela lei, sou condenada para tal. O fato contra a realeza foi ilegítimo, bem como o seu consenso por mim. Mas, no tocante à busca e desejo deste por mim, de minha parte, eu lavo as minhas mãos em inocência perante Deus, e perante a face de cada um de vós, bons cristãos, neste dia.”

O que ela queria dizer com estas palavras é que ela reconhecia a sua culpa perante a lei no tocante ao seu consentimento em ter assumido a coroa, no entanto, ela se declara inocente quanto às acusações de ter buscado ou mesmo desejado o reinado. Tendo dito isto, ela continuou:

“Eu oro para que todos vós, bons cristãos, sejam testemunhas de que eu morro como uma verdadeira mulher cristã, e que eu busco ser salva por nenhum outro meio, senão unicamente pela graça de Deus, no sangue do seu único Filho Jesus Cristo: e eu confesso que, mesmo tendo conhecimento da Palavra de Deus, muitas vezes eu a negligenciei, busquei a mim mesma e ao mundo; e portanto, esta praga e julgamento estão, feliz e dignamente, ocorrendo a mim por causa dos meus pecados. Contudo eu ainda agradeço a Deus que, pela Sua bondade, tem me concedido tempo e oportunidade para me arrepender. E agora, boas pessoas, enquanto eu ainda vivo, eu peço que me assistam com suas orações.”

Ela então se ajoelhou e pediu que a audiência ali presente recitasse com ela as palavras do Salmo 51, que começa com a petição: “Tem misericórdia de mim, Ó Deus.” Após a recitação deste salmo, Lady Jane Grey novamente se levantou e se preparou para a sua execução. As suas últimas palavras foram a citação das palavras de Cristo, na cruz: “Senhor, em Tuas mãos eu entrego o meu espírito”.


O testemunho desta jovem mártir da Fé Reformada deve nos encher de temor e admiração, não simplesmente pela sua bela vida e testemunho cristãos, mas pelo Deus que lhe concedeu fé e graça para suportar tamanha provação com a plena confiança de que a sua alma estava nas mãos do seu Redentor. Este é o Deus que continua a operar na vida da sua Igreja, concedendo as mesmas graças àqueles que as buscam em sinceridade e verdade, confiados no sangue remidor do Cordeiro. 

   

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